top of page

2. Sobre o processamento da recuperação judicial

2.3. Consequências do deferimento do processamento da rec. judicial para o devedor

O deferimento do processamento da recuperação judicial oferece benefícios (1) para auxiliar o devedor a superar suas dificuldades financeiras, mas também impõe uma série de obrigações e consequências a este. O cumprimento dessas obrigações é essencial para manter a integridade e eficácia do processo de recuperação. A negligência ou violação dessas responsabilidades pode, inclusive, resultar na destituição dos gestores da empresa e no indiciamento por crimes falimentares. Abaixo, detalhamos as principais obrigações e consequências estabelecidas pela Lei 11.101/2005.

Proibição de distribuição de lucros e dividendos: Durante o processo de recuperação judicial, é expressamente vedada a distribuição de lucros e dividendos aos sócios ou acionistas, o que inclui, a nosso entendimento, também a transferência de eventuais valores a título de adiantamento de resultados futuros. Essa medida assegura que todos os recursos da empresa, que estejam disponíveis, sejam utilizados para superar sua crise econômico-financeira. A violação desta disposição pode resultar em sérias consequências, incluindo a destituição dos gestores e sua responsabilização por crimes falimentares;

Apresentação de contas mensais: De acordo com as exigências legais, é imprescindível que haja total transparência nas operações financeiras da empresa em recuperação judicial, bem como nas ações executadas por seus administradores. Para que isso ocorra, a legislação vigente obriga a entrega periódica de balancetes e demonstrações de resultados mensais pelo devedor, assim como a disponibilização de documentos adicionais que detalhem atos ou eventos com impacto no patrimônio da empresa. A não apresentação desses documentos, ou a sua elaboração com informações inverídicas, pode resultar na destituição dos gestores e o seu indiciamento pela prática de crimes falimentares;

Proibição de venda e oneração de bens do ativo não circulante: Deferido o processamento da recuperação judicial, fica restrita a capacidade do devedor de dispor dos bens integrantes do ativo não circulante sem supervisão judicial. A alienação ou qualquer forma de oneração desses bens, incluindo, mas não se limitando a venda, a alienação fiduciária, hipoteca, entre outros, deverá ser realizada somente sob duas condições: mediante expressa autorização judicial ou através da inclusão de cláusula específica no plano de recuperação judicial e subsequente aprovação pela Assembleia Geral de Credores;

Apresentação de plano de recuperação, laudo econômico-financeiro e avaliação de bens e ativos:  Após o deferimento do processamento da recuperação judicial pelo juiz, inicia-se o prazo de 60 (sessenta) dias corridos para que o devedor apresente seu plano de recuperação judicial. Este plano deve detalhar minuciosamente todos os meios que serão empregados para superar a situação de crise econômico-financeira enfrentada pela empresa. De forma obrigatória, o plano deverá ser acompanhado de: (i) laudo de viabilidade econômico-financeira do plano; (ii) laudo econômico-financeiro da empresa; e (iii) laudo de avaliação dos bens e ativos, todos elaborados por profissional legalmente habilitado ou por empresa especializada. A não apresentação do plano de recuperação e dos documentos exigidos dentro do prazo estabelecido implicará, nos termos da lei, a convolação da recuperação judicial em falência (2) (3) (4);

Negociação com credores: A negociação com credores é um aspecto crucial após o deferimento do processamento da recuperação judicial. Nesta fase, a empresa devedora realiza tratativas com seus credores visando conquistar apoio ao plano de recuperação que será submetido à deliberação durante a Assembleia Geral de Credores. Na hipótese do plano proposto pela devedora não alcançar a aprovação necessária, os credores têm a prerrogativa de apresentar um plano de recuperação alternativo, que também será submetido à votação. Alternativamente, estes podem ainda optar pela decretação da falência da empresa caso considerem que esta é a medida mais adequada à situação. Importante ressaltar ainda que qualquer decisão sobre a desistência do processo de recuperação judicial por parte do devedor, também requer a aprovação dos credores (5);

Fiscalização da empresa pelo administrador judicial: Com o deferimento do processamento da recuperação judicial, a empresa passa a ser supervisionada pelo Administrador Judicial. Este profissional, na qualidade de auxiliar do Juiz, é responsável por analisar os demonstrativos contábeis e demais informações pertinentes para elaborar relatórios periódicos destinados ao Juízo competente e aos interessados, em especial os credores. Sua função inclui também o monitoramento contínuo das operações e da gestão do devedor, com especial atenção à integridade dos atos praticados pelos gestores. O Administrador Judicial deve identificar e informar ao Juiz sobre quaisquer práticas ou decisões que possam prejudicar o processo de recuperação judicial e os direitos dos credores. É dever do Administrador Judicial assegurar que todas as atividades da empresa estejam alinhadas com os objetivos da recuperação judicial, promovendo a transparência e a responsabilidade administrativa para proteger os interesses coletivos envolvidos;

Fiscalização pelo comitê de credores: Após o deferimento do processamento da recuperação judicial também poderá ser constituído o comitê de credores, cuja principal finalidade é fiscalizar as atividades do devedor e seus gestores, bem como o trabalho realizado pelo administrador judicial;

Publicidade da Recuperação Judicial: Com o deferimento do processamento da recuperação judicial, a situação de crise econômico-financeira da empresa torna-se evidente e obrigatoriamente pública. Nesse contexto, o nome empresarial do devedor deve incorporar a expressão “em Recuperação Judicial”. Esta mudança deve ser realizada em todos os registros públicos relevantes, incluindo a Junta Comercial, o Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ) e a Inscrição Estadual, assegurando transparência e publicidade adequadas ao estado da empresa. Além disso, a expressão “em Recuperação Judicial” deve também constar em todos os atos, documentos e contratos firmados pelo devedor, garantindo que terceiros estejam cientes da condição jurídica e financeira da empresa durante o período em que se processa a recuperação judicial;

Obrigação de comunicar ao Juízo da Recuperação Judicial sobre novas ações: Durante o trâmite do processo de recuperação judicial, caso sejam instauradas novas ações judiciais contra o devedor, incumbe a este o dever de notificar o Juízo da Recuperação Judicial imediatamente após ser citado. Essa obrigação visa assegurar que o juízo responsável pela recuperação judicial e os credores tenham conhecimento completo e atualizado de todos os litígios que possam impactar a reestruturação da empresa;

Obrigação de comunicar aos Juízos das execuções sobre a Recuperação Judicial: Incumbe também ao devedor a obrigação de comunicar a todos os juízos onde tramitam processos de execução contra ele, acerca do deferimento do processamento de sua recuperação judicial. Esta comunicação é essencial para que se proceda à suspensão destas execuções pelo prazo de 180 dias (prorrogável por mais 180 dias). A falta de comunicação pode implicar na continuidade das ações executivas, contrariando os efeitos protetivos do processo de recuperação judicial;

Suspensão da prescrição das obrigações: Com o deferimento do processamento da recuperação judicial suspende-se o prazo prescricional em relação as dívidas do devedor. Tal medida tem como finalidade proteger os direitos dos credores, os quais, durante o trâmite da recuperação judicial, são impedidos de iniciar ou continuar a execução de seus créditos contra o devedor;

Obrigação de instituir e manter conselho fiscal: As companhias abertas que tenham requerido recuperação judicial são compelidas por Lei a instituir e manter ativo um conselho fiscal. Esta obrigação subsiste desde o momento em que é deferido o processamento da Recuperação Judicial até a completa execução das obrigações estabelecidas no plano de recuperação judicial aprovado, assegurando assim uma fiscalização contínua durante todo o processo de reestruturação da empresa.

Como se pode observar, a partir do deferimento do processamento da recuperação judicial, o devedor e seus gestores passam a ser submetidos a uma gama de rigorosas consequências, obrigações e responsabilidade legais. Tais medidas são fundamentais para garantir a mínima governança corporativa, fomentar a transparência e coibir práticas abusivas que possam comprometer o processo de recuperação. Ademais, elas são essenciais para resguardar os interesses de todas as partes envolvidas, prevenir fraudes e assegurar que o processo de recuperação judicial transcorra de maneira equitativa e eficaz, conforme os princípios que norteiam a legislação pertinente. 

Doutrina, enunciados, jurisprudência e artigos sobre o tema:

Legislação aplicável ao tema:

Lei 11.101/2005

Art. 6º. A decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial implica:

I - suspensão do curso da prescrição das obrigações do devedor sujeitas ao regime desta Lei; 

§ 6º Independentemente da verificação periódica perante os cartórios de distribuição, as ações que venham a ser propostas contra o devedor deverão ser comunicadas ao juízo da falência ou da recuperação judicial:

II – pelo devedor, imediatamente após a citação.

 

Art. 6º-A. É vedado ao devedor, até a aprovação do plano de recuperação judicial, distribuir lucros ou dividendos a sócios e acionistas, sujeitando-se o infrator ao disposto no art. 168 desta Lei.

 

Art. 22. Ao administrador judicial compete, sob a fiscalização do juiz e do Comitê, além de outros deveres que esta Lei lhe impõe:

I – na recuperação judicial e na falência:

h) apresentar, para juntada aos autos, e publicar no endereço eletrônico específico relatório mensal das atividades do devedor e relatório sobre o plano de recuperação judicial, no prazo de até 15 (quinze) dias contado da apresentação do plano, fiscalizando a veracidade e a conformidade das informações prestadas pelo devedor, além de informar eventual ocorrência das condutas previstas no art. 64 desta Lei

 

Art. 27. O Comitê de Credores terá as seguintes atribuições, além de outras previstas nesta Lei:

I – na recuperação judicial e na falência:

a) fiscalizar as atividades e examinar as contas do administrador judicial;

II – na recuperação judicial:

a) fiscalizar a administração das atividades do devedor, apresentando, a cada 30 (trinta) dias, relatório de sua situação;

Art. 48-A. Na recuperação judicial de companhia aberta, serão obrigatórios a formação e o funcionamento do conselho fiscal, nos termos da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, enquanto durar a fase da recuperação judicial, incluído o período de cumprimento das obrigações assumidas pelo plano de recuperação.

Art. 52. Estando em termos a documentação exigida no art. 51 desta Lei, o juiz deferirá o processamento da recuperação judicial e, no mesmo ato:

I – nomeará o administrador judicial, observado o disposto no art. 21 desta Lei;

IV – determinará ao devedor a apresentação de contas demonstrativas mensais enquanto perdurar a recuperação judicial, sob pena de destituição de seus administradores;

§ 2º Deferido o processamento da recuperação judicial, os credores poderão, a qualquer tempo, requerer a convocação de assembléia-geral para a constituição do Comitê de Credores ou substituição de seus membros, observado o disposto no § 2º do art. 36 desta Lei.

§ 3º No caso do inciso III do caput deste artigo, caberá ao devedor comunicar a suspensão aos juízos competentes

Art. 53. O plano de recuperação será apresentado pelo devedor em juízo no prazo improrrogável de 60 (sessenta) dias da publicação da decisão que deferir o processamento da recuperação judicial, sob pena de convolação em falência, e deverá conter:

I – discriminação pormenorizada dos meios de recuperação a ser empregados, conforme o art. 50 desta Lei, e seu resumo;

II – demonstração de sua viabilidade econômica; e

III – laudo econômico-financeiro e de avaliação dos bens e ativos do devedor, subscrito por profissional legalmente habilitado ou empresa especializada.

Art. 58-A. Rejeitado o plano de recuperação proposto pelo devedor ou pelos credores e não preenchidos os requisitos estabelecidos no § 1º do art. 58 desta Lei, o juiz convolará a recuperação judicial em falência.

Parágrafo único. Da sentença prevista no caput deste artigo caberá agravo de instrumento.

Art. 64. Durante o procedimento de recuperação judicial, o devedor ou seus administradores serão mantidos na condução da atividade empresarial, sob fiscalização do Comitê, se houver, e do administrador judicial, salvo se qualquer deles:

I – houver sido condenado em sentença penal transitada em julgado por crime cometido em recuperação judicial ou falência anteriores ou por crime contra o patrimônio, a economia popular ou a ordem econômica previstos na legislação vigente;

II – houver indícios veementes de ter cometido crime previsto nesta Lei;

III – houver agido com dolo, simulação ou fraude contra os interesses de seus credores;

IV – houver praticado qualquer das seguintes condutas:

a) efetuar gastos pessoais manifestamente excessivos em relação a sua situação patrimonial;

b) efetuar despesas injustificáveis por sua natureza ou vulto, em relação ao capital ou gênero do negócio, ao movimento das operações e a outras circunstâncias análogas;

c) descapitalizar injustificadamente a empresa ou realizar operações prejudiciais ao seu funcionamento regular;

d) simular ou omitir créditos ao apresentar a relação de que trata o inciso III do caput do art. 51 desta Lei, sem relevante razão de direito ou amparo de decisão judicial;

V – negar-se a prestar informações solicitadas pelo administrador judicial ou pelos demais membros do Comitê;

VI – tiver seu afastamento previsto no plano de recuperação judicial.

Parágrafo único. Verificada qualquer das hipóteses do caput deste artigo, o juiz destituirá o administrador, que será substituído na forma prevista nos atos constitutivos do devedor ou do plano de recuperação judicial.

Art. 66. Após a distribuição do pedido de recuperação judicial, o devedor não poderá alienar ou onerar bens ou direitos de seu ativo não circulante, inclusive para os fins previstos no art. 67 desta Lei, salvo mediante autorização do juiz, depois de ouvido o Comitê de Credores, se houver, com exceção daqueles previamente autorizados no plano de recuperação judicial.

 

Art. 69. Em todos os atos, contratos e documentos firmados pelo devedor sujeito ao procedimento de recuperação judicial deverá ser acrescida, após o nome empresarial, a expressão "em Recuperação Judicial".

Parágrafo único. O juiz determinará ao Registro Público de Empresas e à Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil a anotação da recuperação judicial nos registros correspondentes.

Art. 73. O juiz decretará a falência durante o processo de recuperação judicial:

I – por deliberação da assembléia-geral de credores, na forma do art. 42 desta Lei;

II – pela não apresentação, pelo devedor, do plano de recuperação no prazo do art. 53 desta Lei;

III - quando não aplicado o disposto nos §§ 4º, 5º e 6º do art. 56 desta Lei, ou rejeitado o plano de recuperação judicial proposto pelos credores, nos termos do § 7º do art. 56 e do art. 58-A desta Lei;

Art. 168. Praticar, antes ou depois da sentença que decretar a falência, conceder a recuperação judicial ou homologar a recuperação extrajudicial, ato fraudulento de que resulte ou possa resultar prejuízo aos credores, com o fim de obter ou assegurar vantagem indevida para si ou para outrem.

Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.

Aumento da pena

§ 1º A pena aumenta-se de 1/6 (um sexto) a 1/3 (um terço), se o agente:

I – elabora escrituração contábil ou balanço com dados inexatos;

II – omite, na escrituração contábil ou no balanço, lançamento que deles deveria constar, ou altera escrituração ou balanço verdadeiros;

III – destrói, apaga ou corrompe dados contábeis ou negociais armazenados em computador ou sistema informatizado;

IV – simula a composição do capital social;

V – destrói, oculta ou inutiliza, total ou parcialmente, os documentos de escrituração contábil obrigatórios.

Contabilidade paralela e distribuição de lucros ou dividendos a sócios e acionistas até a aprovação do plano de recuperação judicial

§ 2º A pena é aumentada de 1/3 (um terço) até metade se o devedor manteve ou movimentou recursos ou valores paralelamente à contabilidade exigida pela legislação, inclusive na hipótese de violação do disposto no art. 6º-A desta Lei.

Art. 171. Sonegar ou omitir informações ou prestar informações falsas no processo de falência, de recuperação judicial ou de recuperação extrajudicial, com o fim de induzir a erro o juiz, o Ministério Público, os credores, a assembléia-geral de credores, o Comitê ou o administrador judicial:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

 

Art. 172. Praticar, antes ou depois da sentença que decretar a falência, conceder a recuperação judicial ou homologar plano de recuperação extrajudicial, ato de disposição ou oneração patrimonial ou gerador de obrigação, destinado a favorecer um ou mais credores em prejuízo dos demais:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

Parágrafo único. Nas mesmas penas incorre o credor que, em conluio, possa beneficiar-se de ato previsto no caput deste artigo.

Art. 173. Apropriar-se, desviar ou ocultar bens pertencentes ao devedor sob recuperação judicial ou à massa falida, inclusive por meio da aquisição por interposta pessoa:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

Art. 196. Os Registros Públicos de Empresas, em cooperação com os Tribunais de Justiça, manterão banco de dados público e gratuito, disponível na internet, com a relação de todos os devedores falidos ou em recuperação judicial.

Parágrafo único. Os Registros Públicos de Empresas, em cooperação com o Conselho Nacional de Justiça, deverão promover a integração de seus bancos de dados em âmbito nacional.

© 2024 Por EmpresaemCrise.com

Empresa em Crise

bottom of page