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4. Plano de Rec. Judicial - Propostas do devedor

4.10. Sujeição do plano de recuperação judicial a análise do judiciário

Em primeiro lugar cabe ser destacado que a análise econômico-financeira do plano de recuperação judicial não compete ao judiciário, mas tão somente aos credores, reunidos em Assembleia Geral ou mediante apresentação de termos de adesão. O magistrado não pode interferir nos aspectos comerciais da negociação das condições do plano de recuperação judicial, como prazos de carência, formas de pagamento, taxas de juros ou deságios propostos, ainda que alguns credores possam vir a considerá-los excessivamente onerosos. É competência exclusiva da maioria dos credores decidir se aprovam os termos do plano de recuperação judicial para viabilizar a continuidade da atividade empresarial ou, alternativamente, rejeitam o plano, optando pela decretação da falência e consequente liquidação dos ativos.

Nesse contexto, o controle judicial do plano de recuperação apresentado pelo devedor possui limitações bem definidas, que decorrem da própria natureza do instituto da recuperação judicial. Este controle se divide em dois aspectos principais: o controle de legalidade formal, que visa verificar a conformidade do plano com as disposições expressas na Lei 11.101/2005, e o controle de legalidade material, que busca assegurar o cumprimento dos princípios norteadores da recuperação judicial e coibir eventuais abusos de direito ou fraudes no processo deliberativo.

No que se refere a verificação da regularidade formal do plano, compete ao judiciário assegurar que este contenha todos os elementos exigidos pelo artigo 53 da Lei 11.101/2005, como a discriminação detalhada dos meios de recuperação, a demonstração de viabilidade econômica e os laudos econômico-financeiro e de avaliação de ativos, elaborados por profissionais habilitados (1) (2) (3). Além disso, compete ao juiz garantir a transparência e a veracidade das informações necessárias ao processo deliberativo, podendo determinar a correção de eventuais inconsistências nos documentos apresentados pela Recuperanda. Cláusulas que extrapolem os limites estabelecidos pela LREF como, por exemplo, o pagamento de créditos trabalhistas ou venda de bens objeto de garantia real, também devem ser fiscalizadas pelo Juízo da recuperação judicial.

No âmbito do controle material, o magistrado não se limita à aplicação estrita das disposições contidas na Lei 11.101/2005, mas orienta-se pelos princípios e conceitos valorativos que permeiam todo o ordenamento jurídico brasileiro. Nesse contexto, destacam-se os princípios da boa-fé objetiva e a vedação ao abuso de direito, consagrados, respectivamente, nos artigos 187 e 422 do Código Civil, e alinhados ao artigo 5º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. Esses dispositivos reforçam a necessidade de que as partes envolvidas no processo de recuperação judicial ajam com lealdade, transparência e cooperação mútua, evitando comportamentos que prejudiquem o equilíbrio entre os interesses dos credores e a viabilidade da empresa em recuperação, em respeito aos fundamentos éticos e sociais que sustentam a ordem jurídica nacional.

Por fim, é fundamental enfatizar a relevância do controle de legalidade exercido pelo juiz no processo de recuperação judicial. Ainda que sua atuação seja limitada e voltada primordialmente para a verificação da conformidade do plano com os requisitos formais e materiais estabelecidos pela Lei 11.101/2005, o magistrado não pode ser considerado um mero homologador das decisões tomadas pelos credores em Assembleia Geral. Compete ao juiz assegurar que o plano respeite os ditames legais e os princípios norteadores do processo recuperacional, prevenindo abusos de direito, fraudes e violações à ordem jurídica. Esse controle é indispensável para garantir a integridade do procedimento, o equilíbrio entre os interesses envolvidos e a preservação da função social da empresa. Ou seja, o papel do magistrado, embora subsidiário, é indispensável para garantir a legitimidade do processo, resguardando o cumprimento da lei e promovendo a segurança jurídica que sustenta a função social e econômica da recuperação judicial.

Doutrina, enunciados, jurisprudência e artigos sobre o tema:

Gladson Mamede

A recuperação judicial é um acordo coletivo, cabendo ao Judiciário controlar essa transação judicial coletiva e, enfim, homologá-la, se não há vícios, ou seja, se não atenta contra a Constituição da República, aos princípios jurídicos e às leis vigentes no país. Ainda que haja aprovação por ampla maioria ou, quiçá, aprovação pela unanimidade dos credores, faz-se possível um controle de constitucionalidade e legalidade que poderá fazer-se a partir da provocação de qualquer interessado, aí incluído o Ministério Público e até terceiros afetados pelas disposições, a exemplo da Fazenda Pública.

Esse controle poderá fazer-se pelo próprio magistrado, assim como poderá resultar de recurso. Isso inclui abusos de direito, como o tratamento prejudicial a determinado credor ou classe de credores, sem a respectiva anuência (o que caracterizaria transação judicial). Se a ilegalidade estiver restrita a determinada(s) cláusula(s) do plano, bastará a anulação destas, mantendo a concessão da recuperação judicial e, assim, a validade e efetividade das demais deliberações. Deve ser a situação mais comum. Em oposição, é possível que, excepcionalmente, o vício localize-se na essência do plano, hipótese em que poderá haver anulação integral, devolvendo-se à assembleia a oportunidade para deliberar outro, sob pena de decretação da falência." Mamede, Gladston. Direito Empresarial Brasileiro - Falência e Recuperação de Empresas - 13ª Edição 2022 (Portuguese Edition) (p. 305). Editora Atlas Ltd. Edição do Kindle. 

Marcelo Sacramone

"Diante da atribuição legal aos credores para aferir a viabilidade econômica do plano de recuperação judicial, a Assembleia Geral dos Credores é autônoma. A consideração pelos credores sobre a viabilidade econômica da empresa e a aprovação ou rejeição do plano de recuperação judicial não poderão sofrer alterações pelo Juízo. Ao Judiciário não é dado intervir no mérito do plano de recuperação judicial ou alterar a deliberação dos credores. O Judiciário apenas conduz a relação jurídica processual que permitirá ao devedor negociar com os seus credores a melhor alternativa para superarem, juntos, a crise que acomete o devedor.

A autonomia da Assembleia não significa, entretanto, absoluta soberania. A deliberação da Assembleia Geral de Credores não prevalece se afrontar norma cogente. Como qualquer outro negócio jurídico, o plano de recuperação judicial e os votos dos credores se submetem aos requisitos de validade dos negócios jurídicos, os quais necessitam ter objeto lícito, possível e determinado ou determinável.

A intervenção do Estado no controle judicial dessa legalidade não implica interferência na livre manifestação de vontade das partes contratantes, as quais podem regular sua autonomia privada, mas simplesmente afere os limites a que essa liberdade de manifestação deve ficar adstrita. Ainda que os contratantes tenham autonomia de vontade para convencionar o que melhor lhes atenda, a convenção não poderá extrapolar os limites dessa autonomia garantidos pelo direito ao afrontar normas cogentes ou os dispositivos legais que asseguram a proteção de interesses públicos ou sociais." Sacramone, Marcelo. Comentários à Lei de Recuperação de empresa e falência - 5ª edição 2024 (Portuguese Edition) (p. 318). Edição do Kindle. 

Enunciado 44 - I Jornada de Direito Comercial

A homologação de plano de recuperação judicial aprovado pelos credores está sujeita ao controle judicial de legalidade.

Enunciado 45 - I Jornada de Direito Comercial

O magistrado pode desconsiderar o voto de credores ou a manifestação de vontade do devedor, em razão de abuso de direito.

Enunciado 46 - I Jornada de Direito Comercial

Não compete ao juiz deixar de conceder a recuperação judicial ou de homologar a extrajudicial com fundamento na análise econômico-financeira do plano de recuperação aprovado pelos credores.

Legislação aplicável ao tema:

Lei 11.101/2005

Art. 50. Constituem meios de recuperação judicial, observada a legislação pertinente a cada caso, dentre outros:

XVIII - venda integral da devedora, desde que garantidas aos credores não submetidos ou não aderentes condições, no mínimo, equivalentes àquelas que teriam na falência, hipótese em que será, para todos os fins, considerada unidade produtiva isolada.

§ 1º Na alienação de bem objeto de garantia real, a supressão da garantia ou sua substituição somente serão admitidas mediante aprovação expressa do credor titular da respectiva garantia.

Art. 53. O plano de recuperação será apresentado pelo devedor em juízo no prazo improrrogável de 60 (sessenta) dias da publicação da decisão que deferir o processamento da recuperação judicial, sob pena de convolação em falência, e deverá conter:

I – discriminação pormenorizada dos meios de recuperação a ser empregados, conforme o art. 50 desta Lei, e seu resumo;

II – demonstração de sua viabilidade econômica; e

III – laudo econômico-financeiro e de avaliação dos bens e ativos do devedor, subscrito por profissional legalmente habilitado ou empresa especializada.

Parágrafo único. O juiz ordenará a publicação de edital contendo aviso aos credores sobre o recebimento do plano de recuperação e fixando o prazo para a manifestação de eventuais objeções, observado o art. 55 desta Lei.

Art. 54. O plano de recuperação judicial não poderá prever prazo superior a 1 (um) ano para pagamento dos créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidentes de trabalho vencidos até a data do pedido de recuperação judicial.

§ 1º. O plano não poderá, ainda, prever prazo superior a 30 (trinta) dias para o pagamento, até o limite de 5 (cinco) salários-mínimos por trabalhador, dos créditos de natureza estritamente salarial vencidos nos 3 (três) meses anteriores ao pedido de recuperação judicial.

§ 2º O prazo estabelecido no caput deste artigo poderá ser estendido em até 2 (dois) anos, se o plano de recuperação judicial atender aos seguintes requisitos, cumulativamente:

I - apresentação de garantias julgadas suficientes pelo juiz;

II - aprovação pelos credores titulares de créditos derivados da legislação trabalhista ou decorrentes de acidentes de trabalho, na forma  do § 2º do art. 45 desta Lei; e

III - garantia da integralidade do pagamento dos créditos trabalhistas.

Lei de Introdução as Normas de Direito Civil - Decreto- Lei nº 4.657/1942

Art. 5o Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.

 

Código Civil

Art. 104. A validade do negócio jurídico requer:

I - agente capaz;

II - objeto lícito, possível, determinado ou determinável;

III - forma prescrita ou não defesa em lei.

Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando:

I - celebrado por pessoa absolutamente incapaz;

II - for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto;

III - o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito;

IV - não revestir a forma prescrita em lei;

V - for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade;

VI - tiver por objetivo fraudar lei imperativa;

VII - a lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem cominar sanção.

Art. 171. Além dos casos expressamente declarados na lei, é anulável o negócio jurídico:

I - por incapacidade relativa do agente;

II - por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores.

Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé. 

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