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3. Os créditos e os credores na Rec. Judicial

3.9. Habilitações e impugnações retardatárias de crédito

A habilitação e impugnação retardatária de créditos no processo de recuperação judicial possui peculiaridades importantes que afetam diretamente os direitos dos credores e o andamento processual. A Lei 11.101/2005 estabelece regras específicas para pedidos de habilitação e impugnação feitos fora dos prazos iniciais previstos, conferindo tratamento diferenciado para estes, conforme o momento processual em que são apresentados e o tipo de pedido envolvido. Vejamos:

 

Habilitação ou pedido de majoração de crédito retardatária:

As habilitações são consideradas retardatárias quando apresentadas após a fase administrativa, ou seja, após o prazo de 15 dias (corridos) contados da publicação do edital que contém a sentença de deferimento do processamento da recuperação judicial e a primeira lista de credores (1). O conceito de habilitação retardatária deve ser interpretado de forma extensiva, abrangendo tanto os pedidos de inclusão de novos créditos quanto as impugnações que visem majorar valores de créditos já listados.

A apresentação de pedidos de habilitação de crédito fora do prazo traz por consequência a perda do direito de participação nas deliberações da Assembleia Geral de Credores. Em casos de pedido de majoração de crédito, o credor mantém o direito ao voto, porém limitado ao valor inicialmente reconhecido na lista de credores. É importante ressaltar que a perda do direito ao voto não se estende aos credores trabalhistas, os quais, por prerrogativa legal, preservam este direito independentemente da data de apresentação de sua habilitação ou da solicitação de aumento do valor de seu crédito.

 

Impugnações de crédito que não versem sobre pedido de majoração de crédito:

As impugnações que não contemplem pedido de majoração de crédito são consideradas retardatárias quando apresentadas após o prazo de 10 dias corridos da publicação da segunda lista de credores (2).

As impugnações apresentadas nesta fase se restringem aos seguintes temas, relacionados créditos próprios ou de terceiros:

  • redução do valor do crédito;

  • reclassificação de crédito;

  • exclusão do crédito da lista em decorrência de inexistência da dívida ou da sua não sujeição aos efeitos da recuperação judicial (3)

  

Procedimentos processuais dos pedidos de habilitação e impugnações retardatárias:

Os pedidos retardatários de habilitação de crédito ou impugnação à lista de credores podem ser protocolados até a homologação do quadro geral de credores - QGC. Estas manifestações devem ser formalizadas mediante ação incidental, apensada ao processo de recuperação judicial e proposta pelo interessado, devidamente representado por advogado. Importante destacar que, dependendo da legislação estadual aplicável, pode ser exigido o recolhimento de custas processuais e, havendo resistência da parte contrária, é possível a condenação em honorários advocatícios sucumbenciais.

O procedimento segue rito sumaríssimo e possui natureza contenciosa cognitiva, culminando em sentença declaratória. Para a efetivação da impugnação, o interessado deve apresentar petição que indique precisamente o crédito contestado, explicite as razões de sua objeção e apresente as provas disponíveis, podendo requerer a produção de provas adicionais (depoimentos orais e perícias) quando indispensáveis e pertinentes ao caso. O processamento inclui a intimação para contestação do credor titular do crédito (em caso de crédito de terceiro), do devedor (Recuperanda) e do comitê de credores (se houver), seguida da manifestação do Administrador Judicial.

Concluída a fase instrutória e estando os fatos devidamente esclarecidos, poderá o magistrado proferir julgamento no estado em que se encontra o processo ou, caso necessário, especificar os pontos controvertidos e determinar a produção de provas adicionais, incluindo a designação de audiência de instrução e julgamento. Importa destacar que não há obrigatoriedade de julgamento prévio dos pedidos retardatários antes da homologação do quadro geral de credores. Esses pedidos podem ser incorporados posteriormente, mediante as retificações cabíveis, em respeito à necessidade de privilegiar a celeridade e a eficiência do processo de recuperação judicial.

Poderá ser requerida ao juízo a concessão de tutela de evidência ou de urgência com o objetivo de assegurar o exercício do direito de voto na assembleia geral de credores. Da decisão que apreciar as impugnações caberá a interposição de agravo de instrumento, o qual, em regra, não possui efeito suspensivo. Todavia, o relator do recurso poderá, mediante análise dos requisitos legais, atribuir efeito suspensivo à decisão recorrida ou determinar a inclusão, alteração do valor ou a reclassificação do crédito no quadro geral de credores, quando já homologado, visando garantir o exercício do direito de voto na assembleia geral de credores.

Ainda que os pedidos de habilitação de crédito e as impugnações retardatárias não tenham sido julgadas, o processo de recuperação judicial poderá ser encerrado. Nessa hipótese, tais demandas serão redistribuídas ao Juízo da Recuperação Judicial, passando a tramitar como ações autônomas, sujeitas ao rito comum.

 

Pedidos posteriores a homologação do Quadro Geral de Credores – QGC

A homologação do Quadro Geral de Credores (QGC) não esgota a possibilidade de discussão acerca da legitimidade, do valor e da classificação dos créditos reconhecidos. De acordo com a Lei nº 11.101/2005, permanece viável, até o encerramento da recuperação judicial, a formulação de pedidos de habilitação retardatária ou de retificação de créditos, mesmo após a consolidação do quadro por sentença judicial.

Os pleitos que visam a alteração do Quadro Geral de Credores têm natureza rescisória, pois objetivam alterar decisão judicial que já havia reconhecido a existência e a classificação dos créditos. Diferentemente da falência, em que existe prazo decadencial de três anos contados da publicação da sentença de quebra para proposição de ações visando a alteração do Quadro Geral de Credores, na recuperação judicial não há previsão de limite temporal específico, admitindo-se a propositura desses pedidos até o encerramento do processo recuperacional.

O credor que não se habilitou no prazo administrativo ou judicial poderá propor ação ordinária junto ao juízo da recuperação para ver reconhecido seu crédito (art. 10, § 6º). Tal ação, no entanto, não se confunde com o incidente de impugnação (2), possuindo rito autônomo e demandando ampla dilação probatória, a depender do caso concreto.

O administrador judicial, o Comitê de Credores, qualquer credor ou o Ministério Público podem requerer a exclusão, reclassificação ou retificação de créditos já admitidos, nas hipóteses previstas no art. 19 da Lei 11.101/2005:

  • descoberta de falsidade;

  • dolo, simulação ou fraude;

  • erro essencial;

  • apresentação de documentos ignorados à época do julgamento do crédito.

Vale ser destacado que esse rol é taxativo, constituindo exceções que justificam a reabertura da discussão acerca do crédito, em respeito ao princípio da segurança jurídica e da par conditio creditorum.

A competência para julgamento das ações que visam alteração do quadro geral de credores é exclusiva do juízo recuperacional, ressalvadas as hipóteses em que a inclusão do crédito decorreu de sentença trabalhista ou de julgamento de quantia ilíquida, casos em que eventual ação revisional deverá ser proposta perante o juízo originário (art. 6º, §§ 1º e 2º). O procedimento seguirá o rito ordinário do Código de Processo Civil, com obrigatoriedade de representação por advogado, assegurando às partes contraditório e ampla defesa. Da sentença, caberá recurso de apelação.

O ajuizamento de ação destinada à exclusão, reclassificação ou retificação de crédito constante do Quadro Geral de Credores (QGC) suspende o pagamento do valor controverso ao respectivo titular, salvo se este efetuar depósito em caução correspondente ao montante impugnado. Tal medida tem por finalidade resguardar a recuperanda e a coletividade de credores contra eventuais pagamentos indevidos, assegurando a observância do princípio da par conditio creditorum. Ressalta-se, ainda, que em caso de improcedência da ação, subsiste ao credor prejudicado o direito de pleitear indenização por perdas e danos.

 

Faculdade do credor habilitar ou não seu crédito na Recuperação Judicial:

A habilitação do crédito na recuperação judicial configura uma faculdade do credor, não constituindo uma obrigação legal. Essa prerrogativa permite ao credor optar por se submeter ou não aos trâmites processuais de habilitação quando seu crédito não estiver incluído na relação inicial apresentada pela recuperanda ou não for incluído por iniciativa do Administrador Judicial (1).

Para o titular do crédito não incluído na recuperação judicial, apresentam-se três alternativas: (i) habilitar seu crédito de forma tempestiva ou retardatária; (ii) optar pela inércia e abster-se de realizar qualquer tipo de cobrança do devedor (Recuperanda); ou (iii) buscar a satisfação do crédito mediante execução individual ou cumprimento de sentença após o encerramento da recuperação judicial.

No entanto, independentemente da opção feita pelo credor, o crédito permanecerá vinculado às disposições do plano de recuperação judicial aprovado, sendo submetido à novação integral, conforme o artigo 59 da Lei 11.101/05. Desse modo, em eventual execução individual após o encerramento do processo de recuperação, o credor deverá respeitar rigorosamente as condições estabelecidas para sua classe no plano aprovado. Isso se dá porque a novação recuperacional ocorre automaticamente (ope legis) com a homologação judicial do plano. Esse regime especial de novação visa garantir o tratamento isonômico entre credores e assegurar a efetividade do processo de recuperação como instrumento de preservação da empresa.

 

Em conclusão, a análise dos procedimentos para habilitação e impugnação/retificação  tardia de créditos na recuperação judicial evidencia a busca pelo equilíbrio entre a proteção dos direitos creditórios e a eficiência processual. O ordenamento jurídico, ao definir prazos e impor consequências para manifestações intempestivas, privilegia a ordem e a celeridade processual, preservando, contudo, a possibilidade de corrigir eventuais falhas. Essa estrutura reflete o compromisso com a estabilidade jurídica e com a justa composição dos interesses em conflito, aspectos essenciais para uma recuperação empresarial efetiva e sustentável.

Citações, enunciados, jurisprudência e artigos sobre o tema:

Enunciado 73 - II Jornada de Direito Comercial

Para que seja preservada a eficácia do disposto na parte final do § 2º do artigo 6º da Lei n. 11.101/05, é necessário que, no juízo do trabalho, o crédito trabalhista para fins de habilitação seja calculado até a data do pedido da recuperação judicial ou da decretação da falência, para não se ferir a par condicio creditorum e observarem-se os arts. 49, caput, e 124 da Lei n. 11.101/2005.

Enunciado 14 - 1º Congresso FONAREF

Nos incidentes de impugnação ou habilitação de crédito apresentados na recuperação judicial em que a parte contrária concorde com o pedido, não haverá condenação ao pagamento de honorários de sucumbência.

Legislação aplicável ao tema:

Lei 11.101/2005

Art. 7º A verificação dos créditos será realizada pelo administrador judicial, com base nos livros contábeis e documentos comerciais e fiscais do devedor e nos documentos que lhe forem apresentados pelos credores, podendo contar com o auxílio de profissionais ou empresas especializadas.

§ 1º Publicado o edital previsto no art. 52, § 1º, ou no parágrafo único do art. 99 desta Lei, os credores terão o prazo de 15 (quinze) dias para apresentar ao administrador judicial suas habilitações ou suas divergências quanto aos créditos relacionados.

§ 2º O administrador judicial, com base nas informações e documentos colhidos na forma do caput e do § 1º deste artigo, fará publicar edital contendo a relação de credores no prazo de 45 (quarenta e cinco) dias, contado do fim do prazo do § 1º deste artigo, devendo indicar o local, o horário e o prazo comum em que as pessoas indicadas no art. 8º desta Lei terão acesso aos documentos que fundamentaram a elaboração dessa relação.

Art. 8º No prazo de 10 (dez) dias, contado da publicação da relação referida no art. 7º, § 2º, desta Lei, o Comitê, qualquer credor, o devedor ou seus sócios ou o Ministério Público podem apresentar ao juiz impugnação contra a relação de credores, apontando a ausência de qualquer crédito ou manifestando-se contra a legitimidade, importância ou classificação de crédito relacionado.

Parágrafo único. Autuada em separado, a impugnação será processada nos termos dos arts. 13 a 15 desta Lei.

Art. 10. Não observado o prazo estipulado no art. 7º, § 1º, desta Lei, as habilitações de crédito serão recebidas como retardatárias.

§ 1º Na recuperação judicial, os titulares de créditos retardatários, excetuados os titulares de créditos derivados da relação de trabalho, não terão direito a voto nas deliberações da assembléia-geral de credores.

§ 6º Após a homologação do quadro-geral de credores, aqueles que não habilitaram seu crédito poderão, observado, no que couber, o procedimento ordinário previsto no Código de Processo Civil, requerer ao juízo da falência ou da recuperação judicial a retificação do quadro-geral para inclusão do respectivo crédito.
§ 9º A recuperação judicial poderá ser encerrada ainda que não tenha havido a consolidação definitiva do quadro-geral de credores, hipótese em que as ações incidentais de habilitação e de impugnação retardatárias serão redistribuídas ao juízo da recuperação judicial como ações autônomas e observarão o rito comum.

Art. 11. Os credores cujos créditos forem impugnados serão intimados para contestar a impugnação, no prazo de 5 (cinco) dias, juntando os documentos que tiverem e indicando outras provas que reputem necessárias.

Art. 12. Transcorrido o prazo do art. 11 desta Lei, o devedor e o Comitê, se houver, serão intimados pelo juiz para se manifestar sobre ela no prazo comum de 5 (cinco) dias.

Parágrafo único. Findo o prazo a que se refere o caput deste artigo, o administrador judicial será intimado pelo juiz para emitir parecer no prazo de 5 (cinco) dias, devendo juntar à sua manifestação o laudo elaborado pelo profissional ou empresa especializada, se for o caso, e todas as informações existentes nos livros fiscais e demais documentos do devedor acerca do crédito, constante ou não da relação de credores, objeto da impugnação.

Art. 13. A impugnação será dirigida ao juiz por meio de petição, instruída com os documentos que tiver o impugnante, o qual indicará as provas consideradas necessárias.

Parágrafo único. Cada impugnação será autuada em separado, com os documentos a ela relativos, mas terão uma só autuação as diversas impugnações versando sobre o mesmo crédito.

Art. 14. Caso não haja impugnações, o juiz homologará, como quadro-geral de credores, a relação dos credores de que trata o § 2º do art. 7º, ressalvado o disposto no art. 7º-A desta Lei.

Art. 15. Transcorridos os prazos previstos nos arts. 11 e 12 desta Lei, os autos de impugnação serão conclusos ao juiz, que:

I – determinará a inclusão no quadro-geral de credores das habilitações de créditos não impugnadas, no valor constante da relação referida no § 2º do art. 7º desta Lei;

II – julgará as impugnações que entender suficientemente esclarecidas pelas alegações e provas apresentadas pelas partes, mencionando, de cada crédito, o valor e a classificação;

III – fixará, em cada uma das restantes impugnações, os aspectos controvertidos e decidirá as questões processuais pendentes;

IV – determinará as provas a serem produzidas, designando audiência de instrução e julgamento, se necessário.

Art. 16. Para fins de rateio na falência, deverá ser formado quadro-geral de credores, composto pelos créditos não impugnados constantes do edital de que trata o § 2º do art. 7º desta Lei, pelo julgamento de todas as impugnações apresentadas no prazo previsto no art. 8º desta Lei e pelo julgamento realizado até então das habilitações de crédito recebidas como retardatárias.

Art. 17. Da decisão judicial sobre a impugnação caberá agravo.

Parágrafo único. Recebido o agravo, o relator poderá conceder efeito suspensivo à decisão que reconhece o crédito ou determinar a inscrição ou modificação do seu valor ou classificação no quadro-geral de credores, para fins de exercício de direito de voto em assembléia-geral.

Art. 18. O administrador judicial será responsável pela consolidação do quadro-geral de credores, a ser homologado pelo juiz, com base na relação dos credores a que se refere o art. 7º , § 2º , desta Lei e nas decisões proferidas nas impugnações oferecidas.

Parágrafo único. O quadro-geral, assinado pelo juiz e pelo administrador judicial, mencionará a importância e a classificação de cada crédito na data do requerimento da recuperação judicial ou da decretação da falência, será juntado aos autos e publicado no órgão oficial, no prazo de 5 (cinco) dias, contado da data da sentença que houver julgado as impugnações.

Art. 19. O administrador judicial, o Comitê, qualquer credor ou o representante do Ministério Público poderá, até o encerramento da recuperação judicial ou da falência, observado, no que couber, o procedimento ordinário previsto no Código de Processo Civil, pedir a exclusão, outra classificação ou a retificação de qualquer crédito, nos casos de descoberta de falsidade, dolo, simulação, fraude, erro essencial ou, ainda, documentos ignorados na época do julgamento do crédito ou da inclusão no quadro-geral de credores.

§ 1º A ação prevista neste artigo será proposta exclusivamente perante o juízo da recuperação judicial ou da falência ou, nas hipóteses previstas no art. 6º , §§ 1º e 2º , desta Lei, perante o juízo que tenha originariamente reconhecido o crédito.

§ 2º Proposta a ação de que trata este artigo, o pagamento ao titular do crédito por ela atingido somente poderá ser realizado mediante a prestação de caução no mesmo valor do crédito questionado.

Art. 20. As habilitações dos credores particulares do sócio ilimitadamente responsável processar-se-ão de acordo com as disposições desta Seção.

Art. 59. O plano de recuperação judicial implica novação dos créditos anteriores ao pedido, e obriga o devedor e todos os credores a ele sujeitos, sem prejuízo das garantias, observado o disposto no § 1º do art. 50 desta Lei.

§ 1º A decisão judicial que conceder a recuperação judicial constituirá título executivo judicial, nos termos do art. 584, inciso III, do caput da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil.

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