
Informações descomplicadas sobre:
- Recuperação Judicial
- Recuperação Extrajudicial
- Falência
Notícias e decisões judiciais relevantes
3. Os créditos e os credores na Rec. Judicial
3.3. Créditos excluídos da recuperação judicial do produtor rural (Exceções)
Com a reforma da Lei de Recuperação de Empresas, implementada pela Lei 14.112/2020, foi formalmente reconhecido o direito dos produtores rurais de pleitearem recuperação judicial. Contudo, ao reconhecer este direito ao produtor rural, o legislador, além das hipóteses já existentes de exclusão de créditos aplicáveis a todas as empresas (1), acabou por instituir novas exclusões específicas, vinculadas a atividade rural. A seguir, abordaremos detalhadamente cada uma dessas exclusões para melhor compreensão dos seus impactos.
Dívidas de crédito rural já renegociadas: Não estão sujeitos aos efeitos da recuperação judicial as operações de crédito rural oficiais que já tenham sido renegociadas com o credor em data anterior ao pedido de recuperação judicial. Consideram-se créditos rurais oficiais os recursos controlados e abrangidos nos termos do Art. 14 e 21 da Lei 4.829/65, especificamente destinados à promoção do desenvolvimento agrícola e rural, regidos por regulamentação própria emanada do Conselho Monetário Nacional (CMN) e do Banco Central do Brasil, com condições diferenciadas de juros e prazos em razão de sua natureza de fomento à atividade rural. Operações de crédito rural oficial que não tenham sido renegociadas, sujeitam-se normalmente aos efeitos da recuperação judicial.
Operações não registradas ou não relacionadas a atividade rural: As dívidas contraídas para a aquisição de bens ou serviços não relacionados diretamente ao fomento da atividade agropecuária, ou cujos recursos tenham sido utilizados para fins pessoais do produtor rural, estão excluídas dos efeitos da recuperação judicial. Ademais, mesmo os créditos inequivocamente vinculados à atividade rural podem ser afastados do processo recuperacional caso não estejam devidamente formalizados e registrados na escrituração contábil fiscal, no livro caixa do produtor rural e/ou na declaração de imposto de renda pessoa física.
Crédito direcionado a aquisição de propriedades rurais: Excluem-se do processo de recuperação judicial os créditos oriundos de dívidas contraídas nos três anos anteriores ao pedido de recuperação judicial, quando comprovadamente direcionadas à aquisição de propriedades rurais, assim como suas respectivas garantias. No entanto, devido à complexidade de se estabelecer uma relação direta entre contratos de financiamento genéricos e a aquisição efetiva de propriedades rurais, a aplicação desta regra limita-se a contratos em que a destinação dos recursos para essa finalidade esteja claramente especificada.
CPR com liquidação física: Também não se sujeitam aos afeitos da recuperação judicial as Cédulas de Produto Rural – CPR com liquidação física. Especificamente, essas CPRs exigem a entrega de produtos agrícolas especificados, como soja, milho ou gado, para a liquidação da obrigação. Independentemente da obrigação da CPR ter sido originada pelo fornecimento de insumos ou pelo pagamento em dinheiro, o critério determinante para sua exclusão do processo de recuperação judicial é a exigência de liquidação/pagamento por meio da entrega física do produto. Por outro lado, as CPRs que preveem liquidação financeira, isto é, em dinheiro, estão sujeitas aos efeitos da recuperação judicial.
No entanto, é importante salientar que, em circunstâncias excepcionais, mesmo as CPRs com liquidação física podem ser incluídas no âmbito da recuperação judicial. Para isso, o devedor deve demonstrar que a impossibilidade de cumprir a obrigação, de forma parcial ou total, resulta de caso fortuito ou força maior. Por exemplo, em casos de quebra significativa de safra devido a eventos climáticos extremos, como seca ou excesso de chuvas, o devedor pode solicitar que esses contratos sejam incorporados ao processo de recuperação judicial.
Conforme se observa, a Lei 14.112/2020, ao conferir formalmente o direito do produtor rural ao processo de recuperação judicial, trouxe consigo uma série de limitações que, embora tenham o intuito de proteger a integridade de créditos rurais específicos, acabam por esvaziar consideravelmente a funcionalidade e a efetividade da recuperação judicial nesse setor tão importante para a economia de nosso país. Ao excluir determinados créditos vitais à atividade rural — como dívidas de recursos controlados renegociadas antes do pedido de recuperação e CPRs com liquidação física — o legislador cria um cenário paradoxal: permite ao produtor rural o acesso à recuperação judicial, mas impõe restrições de tal magnitude que enfraquecem consideravelmente as possibilidades de sua reestruturação econômica e financeira.
Em última análise, o resultado prático da lei, ao restringir a abrangência dos créditos incluídos no plano recuperacional, limita a capacidade do produtor rural de superar crises econômico-financeiras por meio da recuperação judicial. Assim, o que inicialmente parecia uma conquista para o setor agrícola acaba revelando-se como uma solução parcialmente ineficaz.
Legislação aplicável ao tema:
Lei 11.101/2005
Art. 49. Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos
§ 6º Nas hipóteses de que tratam os §§ 2º e 3º do art. 48 desta Lei, somente estarão sujeitos à recuperação judicial os créditos que decorram exclusivamente da atividade rural e estejam discriminados nos documentos a que se referem os citados parágrafos, ainda que não vencidos.
§ 7º Não se sujeitarão aos efeitos da recuperação judicial os recursos controlados e abrangidos nos termos dos arts. 14 e 21 da Lei nº 4.829, de 5 de novembro de 1965.
§ 8º Estarão sujeitos à recuperação judicial os recursos de que trata o § 7º deste artigo que não tenham sido objeto de renegociação entre o devedor e a instituição financeira antes do pedido de recuperação judicial, na forma de ato do Poder Executivo.
§ 9º Não se enquadrará nos créditos referidos no caput deste artigo aquele relativo à dívida constituída nos 3 (três) últimos anos anteriores ao pedido de recuperação judicial, que tenha sido contraída com a finalidade de aquisição de propriedades rurais, bem como as respectivas garantias.
Lei 8.929/1994
Art. 11. Não se sujeitarão aos efeitos da recuperação judicial os créditos e as garantias cedulares vinculados à CPR com liquidação física, em caso de antecipação parcial ou integral do preço, ou, ainda, representativa de operação de troca por insumos (barter), subsistindo ao credor o direito à restituição de tais bens que se encontrarem em poder do emitente da cédula ou de qualquer terceiro, salvo motivo de caso fortuito ou força maior que comprovadamente impeça o cumprimento parcial ou total da entrega do produto.
Lei 8.929/1965
Art. 14. Os têrmos, prazos, juros e demais condições das operações de crédito rural, sob quaisquer de suas modalidades, serão estabelecidos pelo Conselho Monetário Nacional, observadas as disposições legais específicas, não expressamente revogadas pela presente Lei, inclusive o favorecimento previsto no art. 4º, inciso IX, da Lei nº 4.595, de 31 de dezembro de 1964, ficando revogado o art. 4º do Decreto-lei nº 2.611, de 20 de setembro de 1940.
Art. 21. As instituições referidas nos incisos II e III do caput do art. 7o, na alínea “c” do inciso I do § 1o do art. 7o e nas alíneas “a”, “b”, “c” e “e” do inciso II do § 1o do art. 7o desta Lei manterão aplicados recursos no crédito rural, observadas a forma e as condições estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional.