1. Sobre o pedido de Recuperação Judicial
1.8. Perícia de constatação prévia antes da análise do pedido de Rec. Judicial pelo Juiz
Para assegurar que a recuperação judicial não seja indevidamente acessada por empresas inelegíveis e para mitigar falhas na análise dos pedidos, a Lei 11.101/2005, a partir da reforma realizada no ano de 2020, previu a possibilidade do Juiz ordenar a realização de uma perícia de constatação prévia. Este procedimento visa verificar preliminarmente, antes da análise do pedido de deferimento do processamento da recuperação judicial, a viabilidade e o cumprimento dos requisitos legais pelo requerente. Vejamos as principais características do procedimento:
Caráter facultativo da constatação prévia: A realização da constatação prévia possui natureza facultativa, cabendo ao Juízo, no exercício de sua discricionariedade, decidir pela sua instauração ou não. Trata-se de prerrogativa conferida ao magistrado para avaliar a conveniência e a necessidade de uma apuração mais aprofundada acerca da real situação operacional da empresa requerente, bem como da regularidade formal da documentação apresentada, antes de deliberar sobre o deferimento ou indeferimento do processamento da recuperação judicial.
Verificação quanto ao funcionamento regular da requerente: Essencialmente, a recuperação judicial não se aplica a empresas inativas. A constatação prévia tem como um de seus focos verificar se a empresa requerente está efetivamente operando, de modo a assegurar que a recuperação judicial não esteja sendo requerida por empresa que não tenha as mínimas condições de viabilidade.
Identificação do principal estabelecimento: Outra verificação importante é a localização do principal estabelecimento da empresa. Esta análise é crucial para assegurar que o pedido de recuperação judicial seja apresentado ao juízo competente, conforme determina a legislação. Caso fique constatado na perícia prévia que o pedido foi protocolado fora da jurisdição onde se localiza o principal estabelecimento do devedor, o Juiz determinará a remessa dos autos, com urgência, ao Juízo competente (1).
Regularidade e completude documental: A documentação apresentada com a petição inicial deve ser completa e regular, de modo a permitir que os credores possam realizar uma avaliação correta e transparente das reais condições financeiras do devedor. A falta de documentos necessários ou a apresentação de informações incompletas pode levar à necessidade de emenda à petição inicial ou o indeferimento do pedido (2) (3).
Limites da análise do perito: A constatação prévia não deve adentrar na análise de viabilidade econômica da empresa em superar seu estado de crise, que é competência exclusiva da Assembleia Geral de Credores. No entanto, é relevante que a perícia aponte os casos em que a empresa não está em situação de crise, onde o pedido de recuperação judicial representa mero ato fraudulento para postergar o pagamento aos credores.
Prazo e custos da constatação prévia: O perito nomeado tem um prazo máximo de cinco dias para apresentar o relatório de constatação prévia. Os custos relacionados a essa avaliação serão fixados após a entrega do laudo e devem refletir a complexidade do trabalho realizado. Seu pagamento é de responsabilidade do requerente da recuperação judicial.
Ausência de cientificação ou oitiva das partes: A perícia prévia será determinada sem a oitiva ou apresentação e quesitos pelas partes do processo de recuperação judicial. Se entender necessário, para que não sejam frustrados os seus objetivos, o Juiz poderá ainda determinar a realização da perícia prévia sem que haja, até mesmo, ciência do próprio devedor.
Resultado da perícia prévia: O resultado da perícia prévia será informado ao devedor de forma concomitante a intimação da decisão que deferir o processamento da recuperação judicial, determinar a emenda a inicial ou indeferir o pedido. Caso a perícia detecte indícios contundentes de utilização fraudulenta da ação de recuperação judicial, além de indeferir a petição inicial, o Juiz poderá oficiar o Ministério Público para a tomada das providências criminais eventualmente cabíveis.
Vedação à nomeação do autor da constatação prévia como administrador judicial: A nomeação, como administrador judicial, do mesmo profissional que elaborou a constatação prévia compromete a imparcialidade e a higidez do processo de recuperação judicial, por configurar situação de potencial conflito de interesses. Isso porque, diante da perspectiva de futura designação para o exercício de função remunerada e de significativa relevância, o perito pode ser indevidamente estimulado a emitir parecer favorável ao deferimento do processamento, não com fundamento exclusivamente técnico, mas visando à própria nomeação. Embora a Lei nº 11.101/2005 não contenha vedação expressa à cumulação dessas funções, a suspeição, nesses casos, pode ser reconhecida com fundamento nos arts. 145 e 148, II, do Código de Processo Civil, sendo imperiosa a adoção de postura cautelosa pelo juízo, em respeito aos princípios da imparcialidade, da moralidade e da confiança no sistema de justiça
Conforme pode-se observar, a constatação prévia transcende a figura de um simples trâmite burocrático, representando uma salvaguarda, muitas vezes essencial, para assegurar garantias mínimas a integridade do processo. Dado a relevância das ações de recuperação judicial no âmbito social e econômico e a conhecida sobrecarga do sistema judiciário, temos que este é um mecanismo importante para assegurar a eficiência e a correta aplicação da lei.
Legislação aplicável ao tema:
Lei 11.101/2005
Art. 51-A. Após a distribuição do pedido de recuperação judicial, poderá o juiz, quando reputar necessário, nomear profissional de sua confiança, com capacidade técnica e idoneidade, para promover a constatação exclusivamente das reais condições de funcionamento da requerente e da regularidade e da completude da documentação apresentada com a petição inicial.
§ 1º A remuneração do profissional de que trata o caput deste artigo deverá ser arbitrada posteriormente à apresentação do laudo e deverá considerar a complexidade do trabalho desenvolvido.
§ 2º O juiz deverá conceder o prazo máximo de 5 (cinco) dias para que o profissional nomeado apresente laudo de constatação das reais condições de funcionamento do devedor e da regularidade documental.
§ 3º A constatação prévia será determinada sem que seja ouvida a outra parte e sem apresentação de quesitos por qualquer das partes, com a possibilidade de o juiz determinar a realização da diligência sem a prévia ciência do devedor, quando entender que esta poderá frustrar os seus objetivos.
§ 4º O devedor será intimado do resultado da constatação prévia concomitantemente à sua intimação da decisão que deferir ou indeferir o processamento da recuperação judicial, ou que determinar a emenda da petição inicial, e poderá impugná-la mediante interposição do recurso cabível.
§ 5º A constatação prévia consistirá, objetivamente, na verificação das reais condições de funcionamento da empresa e da regularidade documental, vedado o indeferimento do processamento da recuperação judicial baseado na análise de viabilidade econômica do devedor.
§ 6º Caso a constatação prévia detecte indícios contundentes de utilização fraudulenta da ação de recuperação judicial, o juiz poderá indeferir a petição inicial, sem prejuízo de oficiar ao Ministério Público para tomada das providências criminais eventualmente cabíveis.
§ 7º Caso a constatação prévia demonstre que o principal estabelecimento do devedor não se situa na área de competência do juízo, o juiz deverá determinar a remessa dos autos, com urgência, ao juízo competente.
