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4. Plano de Rec. Judicial - Propostas do devedor

4.9. Propostas de pagamento diferentes para credores de uma mesma classe

A Lei 11.101/2005 prevê, em seu artigo 41, a classificação dos credores em quatro diferentes classes: (i) titulares de créditos trabalhistas ; (ii) titulares de créditos com garantia real ; (iii) titulares de créditos quirografários, com privilégio especial, geral ou subordinados ; e (iv) titulares de créditos enquadrados como microempresas e empresas de pequeno porte . Essa segmentação normativa tem como propósito assegurar um tratamento equitativo entre os credores, considerando as especificidades e os privilégios inerentes a cada tipo de crédito. Tal estruturação promove o equilíbrio dos interesses das diferentes categorias, assegurando o respeito às desigualdades jurídicas e econômicas existentes.

Embora o princípio da igualdade entre credores (par condicio creditorum) esteja expressamente previsto em lei apenas no contexto da falência, consolidou-se entendimento de que este deveria ser aplicado, no que coubesse, à recuperação judicial. Nesse sentido, dado que as distinções relevantes dos credores já haviam sido contempladas pelo legislador na estipulação das classes legais, necessário seria o tratamento isonômico à totalidade dos créditos agrupados em cada uma das classes.

Contudo, a própria sistemática de votação das classes II e III, prevista no Art. 45, § 1º da Lei , que exige aprovação cumulativa por valor e por cabeça, incentivou a evolução da doutrina e da jurisprudência. A uniformidade de tratamento acabou sendo relativizada, permitindo-se a criação de subclasses dentro de uma mesma classe, com o objetivo de atender peculiaridades, salvaguardar interesses específicos e, muitas vezes, agrupar credores (cabeças) com interesses similares para viabilizar a aprovação do plano.

Para criação de subclasses por critérios jurisprudenciais, no entanto, foram estipulados requisitos para assegurar a transparência e equidade do processo, que incluem a utilização de critérios objetivos, a abrangência de credores com interesses homogêneos, a apresentação de justificativas claras e fundamentadas no plano de recuperação judicial e a preservação do direito de voto dos credores minoritários.

Paralelamente, a Lei nº 14.112/2020 introduziu uma hipótese legal específica de tratamento diferenciado, através da reformulação do parágrafo único do artigo 67 da LREF . Parte significativa da doutrina defende que a nova redação do dispositivo não validou a criação geral de subclasses (prática anterior), mas sim delimitou uma autorização expressa de tratamento diferenciado, aplicável exclusivamente a fornecedores que continuem a prover bens ou serviços essenciais à manutenção das atividades da empresa, desde que o tratamento observe critérios de adequação e razoabilidade.

Importante notar, ainda, outra forma de tratamento distinto prevista no Art. 45, § 3º da Lei, que retira o direito de voto do credor cujo plano de recuperação judicial não alterar o valor ou as condições originais de pagamento de seu crédito. Na prática, isso cria uma categoria distinta de credores (os não afetados), que, embora pertencentes à classe, não participam da deliberação.

Por fim, é importante salientar que a criação de subclasses com condições diferenciadas de pagamento pode impactar diretamente a aprovação do plano de recuperação judicial, especialmente quando houver necessidade de aplicação do quórum alternativo (cram down), previsto no Art. 58, § 1º. Isto porque o § 2º do mesmo Artigo estabelece expressa restrição à utilização deste mecanismo de aprovação se o plano "implicar tratamento diferenciado entre os credores da classe que o houver rejeitado". Evidencia-se, assim, a necessidade de cautela na estruturação dessas categorias diferenciadas quando se depende da aprovação judicial supletiva.

Doutrina, enunciados, jurisprudência e artigos sobre o tema:

João P. Scalzilli, Luiz F. Spinelli e Rodrigo Tellechea

"O tratamento diferenciado pode ser dispensado conforme o interesse de cada credor no deslinde da recuperação judicial, mesmo entre os credores de uma mesma classe, desde que existam fundadas razões para tanto e sejam respeitados critérios objetivos e de homogeneidade e de interesse econômico.

Nesse sentido, tal tratamento deve ser devidamente justificado, não se podendo atribuir tratamento diferenciado por razões arbitrárias.

A orientação tem respaldo na prática recuperatória – e, agora, no art. 67, parágrafo único, da LREF. Pode haver fornecedores na posição de credores quirografários interessados na manutenção da empresa e, por outro lado, credores quirografários que não mantêm mais relacionamento comercial com ela. O mesmo pode ocorrer com empregados atuais, que buscam a manutenção de seus empregos, e empregados demitidos, cujo único objetivo é a maximização do crédito. Essa diversidade de interesses, bem como o próprio volume do crédito detido por cada um, pode autorizar o devedor a dispensar tratamento desigual aos credores de mesma classe.

Nessa linha, a jurisprudência entende ser possível conferir tratamento privilegiado no plano aos fornecedores que tenham mantido relações comerciais com o devedor durante a recuperação judicial – previsão que agora encontra respaldo expresso na LREF reformada, nos termos do parágrafo único do art. 67 –, inclusive àqueles que ofereceram novas linhas de crédito à recuperanda, bem como admite a formação de subclasses, mesmo em função do volume do crédito detido pelos credores." Scalzilli, João Pedro; Spinelli, Luis Felipe; Tellechea, Rodrigo. Recuperação de Empresas e Falência 4ª: Teoria e Prática na Lei 11.101/2005 (Manuais Universitários) (Portuguese Edition) (pp. 2028-2030). Almedina Brasil. Edição do Kindle.

Marcelo Sacramone

"Atualmente, a criação de subclasses com base em requisitos objetivos diversos daqueles previstos no art. 67, parágrafo único, está vedada. O silêncio legislativo evidencia que a intenção do legislador era restringir as hipóteses de criação de subclasses aos credores fornecedores que, mesmo após o pedido de recuperação judicial, mantêm suas relações com a recuperanda. Privilegia-se expressamente o credor que continuar a negociar com a recuperanda no momento em que a obtenção de crédito costuma ser mais difícil, e, desse modo, auxiliam a devedora na superação da crise econômico-financeira. (...)

O art. 67, parágrafo único, deve ser interpretado restritivamente para o preenchimento das condições para a subclasse de credores. Conforme o parágrafo único estabelece, a única possibilidade para a criação de subclasses é para aqueles credores que fomentarem a atividade empresarial da recuperanda por meio do fornecimento de bens ou serviços necessários para a manutenção de suas atividades. Referida condição privilegiada a ser conferida ao credor, ademais, deve ser adequada e razoável." Sacramone, Marcelo. Comentários à Lei de Recuperação de empresa e falência - 5ª edição 2024 (Portuguese Edition) (p. 354/355). Edição do Kindle.

Enunciado 81 - II Jornada de Direito Comercial

Aplica-se à recuperação judicial, no que couber, o princípio da par condicio creditorum.

Legislação aplicável ao tema:

Lei 11.101/2005

Art. 41. A assembléia-geral será composta pelas seguintes classes de credores:

I – titulares de créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidentes de trabalho;

II – titulares de créditos com garantia real;

III – titulares de créditos quirografários, com privilégio especial, com privilégio geral ou subordinados.

IV - titulares de créditos enquadrados como microempresa ou empresa de pequeno porte.

§ 1º Os titulares de créditos derivados da legislação do trabalho votam com a classe prevista no inciso I do caput deste artigo com o total de seu crédito, independentemente do valor.

§ 2º Os titulares de créditos com garantia real votam com a classe prevista no inciso II do caput deste artigo até o limite do valor do bem gravado e com a classe prevista no inciso III do caput deste artigo pelo restante do valor de seu crédito.

Art. 45. Nas deliberações sobre o plano de recuperação judicial, todas as classes de credores referidas no art. 41 desta Lei deverão aprovar a proposta.

§ 1º Em cada uma das classes referidas nos incisos II e III do art. 41 desta Lei, a proposta deverá ser aprovada por credores que representem mais da metade do valor total dos créditos presentes à assembléia e, cumulativamente, pela maioria simples dos credores presentes.

§ 2º Nas classes previstas nos incisos I e IV do art. 41 desta Lei, a proposta deverá ser aprovada pela maioria simples dos credores presentes, independentemente do valor de seu crédito.

§ 3º O credor não terá direito a voto e não será considerado para fins de verificação de quorum de deliberação se o plano de recuperação judicial não alterar o valor ou as condições originais de pagamento de seu crédito.

Art. 58. Cumpridas as exigências desta Lei, o juiz concederá a recuperação judicial do devedor cujo plano não tenha sofrido objeção de credor nos termos do art. 55 desta Lei ou tenha sido aprovado pela assembleia-geral de credores na forma dos arts. 45 ou 56-A desta Lei.

§ 1º O juiz poderá conceder a recuperação judicial com base em plano que não obteve aprovação na forma do art. 45 desta Lei, desde que, na mesma assembléia, tenha obtido, de forma cumulativa:

I – o voto favorável de credores que representem mais da metade do valor de todos os créditos presentes à assembléia, independentemente de classes;

II - a aprovação de 3 (três) das classes de credores ou, caso haja somente 3 (três) classes com credores votantes, a aprovação de pelo menos 2 (duas) das classes ou, caso haja somente 2 (duas) classes com credores votantes, a aprovação de pelo menos 1 (uma) delas, sempre nos termos do art. 45 desta Lei;      

III – na classe que o houver rejeitado, o voto favorável de mais de 1/3 (um terço) dos credores, computados na forma dos §§ 1º e 2º do art. 45 desta Lei.

§ 2º A recuperação judicial somente poderá ser concedida com base no § 1º deste artigo se o plano não implicar tratamento diferenciado entre os credores da classe que o houver rejeitado.

Art. 67. Os créditos decorrentes de obrigações contraídas pelo devedor durante a recuperação judicial, inclusive aqueles relativos a despesas com fornecedores de bens ou serviços e contratos de mútuo, serão considerados extraconcursais, em caso de decretação de falência, respeitada, no que couber, a ordem estabelecida no art. 83 desta Lei.

Parágrafo único. O plano de recuperação judicial poderá prever tratamento diferenciado aos créditos sujeitos à recuperação judicial pertencentes a fornecedores de bens ou serviços que continuarem a provê-los normalmente após o pedido de recuperação judicial, desde que tais bens ou serviços sejam necessários para a manutenção das atividades e que o tratamento diferenciado seja adequado e razoável no que concerne à relação comercial futura.

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