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Notícias e decisões judiciais relevantes
3. Os créditos e os credores na Rec. Judicial
3.12. Fiscalização das atividades da recuperanda pelos credores
A Lei 11.101/2005 consagrou os credores como protagonistas no processo de recuperação judicial, conferindo-lhes o poder de avaliar e decidir sobre o futuro da empresa em dificuldades econômico-financeiras. Por meio da deliberação em Assembleia Geral de Credores, cabe a eles aprovar o plano de recuperação judicial, permitindo à empresa dar continuidade às suas atividades, ou optar pela decretação de falência, com a consequente liquidação de seus ativos. Nesse contexto, a fiscalização das atividades da recuperanda durante o processo, por todas as partes envolvidas e, especialmente, pelos próprios credores, é fundamental para assegurar a transparência, a legitimidade e a eficácia do procedimento.
Na grande maioria dos casos, o processo de recuperação judicial impõe sacrifícios inevitáveis aos credores, que muitas vezes precisam aceitar descontos significativos em seus créditos e prazos de pagamento estendidos, como medidas para superar a crise econômico-financeira da empresa recuperanda. Diante dessa realidade, os credores se tornam os principais interessados em garantir que os prejuízos por eles suportados estejam rigorosamente limitados ao necessário para atingir os objetivos previstos na Lei nº 11.101/2005, assegurando o equilíbrio entre a preservação da atividade empresarial, a manutenção de sua função social e a proteção de seus direitos.
Para proteger os diversos interesses envolvidos e os direitos dos credores, a Lei de Recuperação Judicial e Falências instituiu o Comitê de Credores como o principal órgão fiscalizador da empresa em recuperação. Este comitê possui amplos poderes para supervisionar tanto as atividades da recuperanda quanto o desempenho do Administrador Judicial em suas funções fiscalizatórias (1). Entre as atribuições do Comitê de Credores, destacam-se a elaboração de relatórios periódicos de fiscalização das atividades e da situação econômica e financeira da empresa, a emissão de pareceres sobre reclamações dos interessados e a comunicação ao Juiz quando houver violação de direitos ou prejuízo aos interesses dos credores. Além disso, nos casos de companhias abertas, a legislação determina ainda a formação e o funcionamento contínuo do conselho fiscal durante todo o processo de recuperação, fortalecendo os princípios da governança corporativa e da transparência.
Embora o Comitê de Credores represente um instrumento relevante de fiscalização coletiva no processo de recuperação judicial, sua constituição tem sido incomum na prática. Essa realidade decorre, principalmente, dos altos custos para sua formação e manutenção, que frequentemente se tornam inviáveis, especialmente em processos envolvendo empresas menores. No entanto, a ausência do comitê não anula a atuação fiscalizatória dos credores, que permanecem aptos a exercer individualmente seus direitos de fiscalização.
Os credores, de forma individual, têm a prerrogativa de impugnar créditos de terceiros, buscando reduzir o montante total das dívidas do devedor e coibir possíveis fraudes. Eles também podem questionar atos de gestão, solicitar informações e documentos da recuperanda por intermédio do Administrador Judicial, além de requerer a substituição deste caso não esteja desempenhando adequadamente suas funções legais. Ademais, os credores podem ainda oferecer ação penal privada subsidiária à pública em caso de ocorrência de crimes falimentares nos quais o Ministério Público não ofereça denúncia.
Por fim, é crucial ressaltar que a participação ativa dos credores nas decisões e na fiscalização é essencial para promover maior transparência e equilíbrio entre a preservação da empresa e a satisfação dos créditos. Esse engajamento não apenas contribui para o sucesso da recuperação da empresa, mas também promove a segurança jurídica e fortalece o ambiente empresarial.
Doutrina, enunciados, jurisprudência e artigos sobre o tema:
Daniel Carnio Costa
“ Diferente do que ocorria no regime do Dec. Lei 7.661/1945, em que a concordata era imposta aos credores, a Lei 11.101/2005 prevê participação ativa dos credores na recuperação, judicial e extrajudicial, e na falência. Isso porque são eles que sofrem os efeitos da novação das condições originariamente contratadas com o devedor, devendo, portanto, lhes ser garantido o direito de participação em processos decisórios.
(...)
O que se verifica na prática é que os credores precisam de um processo célere e eficiente – seja de recuperação ou de falência – para que o recebimento de seu crédito se dê de forma efetiva, em prazo e valor monetário, tanto quanto for possível.
(...)
Isso leva a conclusão de que, em um processo de recuperação judicial, é muito importante que os credores busquem a defesa de seus interesses, mas que essa busca não os impeça de visualizar que o bem comum é superior ao bem particular, uma vez que, para a sociedade, é mais importante a reestruturação da empresa, com a manutenção dos empregos, da cadeia produtiva e pagamento de impostos, do que o pagamento de um credor específico." COSTA, Daniel Carnio e MELO, Alexandre Nassar. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência. Ano 2021, Páginas 32/33. Juruá Editora.
PRINCÍPIO 09 do Relatório do Substitutivo do PLC 71/2003 que deu origem a Lei 11.101/2005:
9) PARTICIPAÇÃO ATIVA DOS CREDORES: Fazer com que os credores participem ativamente dos processos de falência e de recuperação, a fim de que, em defesa de seus interesses, otimizem os resultados obtidos, diminuindo a possibilidade de fraude ou malversação dos recursos da empresa ou da massa falida.
Marcelo Sacramone
"A atuação direta do administrador judicial, entretanto, não impede que seus atos sejam fiscalizados. O juiz e o Comitê de Credores, caso constituído, têm o dever de fiscalizar os atos do administrador judicial. Os demais agentes do feito, contudo, também poderão fazê-lo, embora não tenham essa obrigação. A fiscalização poderá ser realizada por qualquer dos interessados. Além dos referidos, o Ministério Público ou qualquer credor poderão exigir explicações do administrador judicial ou demonstrações quanto a determinado ato." Sacramone, Marcelo. Comentários à Lei de Recuperação de empresa e falência - 5ª edição 2024 (Portuguese Edition) (p. 130). Edição do Kindle.
Fábio Ulhoa Coelho
"O processo de falência e a recuperação judicial importam, inevitavelmente, custos para os credores da empresa em crise. Eles, ou ao menos parte deles, suportando prejuízo, em razão da quebra ou da recuperação judicial do empresário devedor. Os processos falimentares, por isso, devem ser transparentes, de modo que todos os credores possam acompanhar as decisões nele adotadas e conferir se o prejuízo que eventualmente suportam está, com efeito, na exata medida do inevitável. A transparência dos processos falimentares deve possibilitar que todos os credores que saíram prejudicados possam se convencer razoavelmente de que não tiveram nenhum prejuízo além do estritamente necessário para a realização dos objetivos da falência ou da recuperação judicial." (COELHO, Fábio Ulhoa. Princípios do direito comercial: com anotações ao projeto do código comercial. São Paulo, 2012. p. 58.)
Legislação aplicável ao tema:
Lei 11.101/2005
Art. 22. Ao administrador judicial compete, sob a fiscalização do juiz e do Comitê, além de outros deveres que esta Lei lhe impõe:
I – na recuperação judicial e na falência:
b) fornecer, com presteza, todas as informações pedidas pelos credores interessados;
c) dar extratos dos livros do devedor, que merecerão fé de ofício, a fim de servirem de fundamento nas habilitações e impugnações de créditos;
d) exigir dos credores, do devedor ou seus administradores quaisquer informações;
Art. 27. O Comitê de Credores terá as seguintes atribuições, além de outras previstas nesta Lei:
I – na recuperação judicial e na falência:
a) fiscalizar as atividades e examinar as contas do administrador judicial;
b) zelar pelo bom andamento do processo e pelo cumprimento da lei;
c) comunicar ao juiz, caso detecte violação dos direitos ou prejuízo aos interesses dos credores;
d) apurar e emitir parecer sobre quaisquer reclamações dos interessados;
e) requerer ao juiz a convocação da assembléia-geral de credores;
f) manifestar-se nas hipóteses previstas nesta Lei;
II – na recuperação judicial:
a) fiscalizar a administração das atividades do devedor, apresentando, a cada 30 (trinta) dias, relatório de sua situação;
b) fiscalizar a execução do plano de recuperação judicial;
c) submeter à autorização do juiz, quando ocorrer o afastamento do devedor nas hipóteses previstas nesta Lei, a alienação de bens do ativo permanente, a constituição de ônus reais e outras garantias, bem como atos de endividamento necessários à continuação da atividade empresarial durante o período que antecede a aprovação do plano de recuperação judicial.
§ 1º As decisões do Comitê, tomadas por maioria, serão consignadas em livro de atas, rubricado pelo juízo, que ficará à disposição do administrador judicial, dos credores e do devedor.
§ 2º Caso não seja possível a obtenção de maioria em deliberação do Comitê, o impasse será resolvido pelo administrador judicial ou, na incompatibilidade deste, pelo juiz.
Art. 28. Não havendo Comitê de Credores, caberá ao administrador judicial ou, na incompatibilidade deste, ao juiz exercer suas atribuições.
Art. 30. Não poderá integrar o Comitê ou exercer as funções de administrador judicial quem, nos últimos 5 (cinco) anos, no exercício do cargo de administrador judicial ou de membro do Comitê em falência ou recuperação judicial anterior, foi destituído, deixou de prestar contas dentro dos prazos legais ou teve a prestação de contas desaprovada.
§ 2º O devedor, qualquer credor ou o Ministério Público poderá requerer ao juiz a substituição do administrador judicial ou dos membros do Comitê nomeados em desobediência aos preceitos desta Lei.
Art. 36. A assembleia-geral de credores será convocada pelo juiz por meio de edital publicado no diário oficial eletrônico e disponibilizado no sítio eletrônico do administrador judicial, com antecedência mínima de 15 (quinze) dias, o qual conterá:
§ 2º Além dos casos expressamente previstos nesta Lei, credores que representem no mínimo 25% (vinte e cinco por cento) do valor total dos créditos de uma determinada classe poderão requerer ao juiz a convocação de assembléia-geral.
Art. 39. Terão direito a voto na assembléia-geral as pessoas arroladas no quadro-geral de credores ou, na sua falta, na relação de credores apresentada pelo administrador judicial na forma do art. 7º , § 2º , desta Lei, ou, ainda, na falta desta, na relação apresentada pelo próprio devedor nos termos dos arts. 51, incisos III e IV do caput, 99, inciso III do caput, ou 105, inciso II do caput, desta Lei, acrescidas, em qualquer caso, das que estejam habilitadas na data da realização da assembléia ou que tenham créditos admitidos ou alterados por decisão judicial, inclusive as que tenham obtido reserva de importâncias, observado o disposto nos §§ 1º e 2º do art. 10 desta Lei.
§ 6º O voto será exercido pelo credor no seu interesse e de acordo com o seu juízo de conveniência e poderá ser declarado nulo por abusividade somente quando manifestamente exercido para obter vantagem ilícita para si ou para outrem.
Art. 48-A. Na recuperação judicial de companhia aberta, serão obrigatórios a formação e o funcionamento do conselho fiscal, nos termos da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, enquanto durar a fase da recuperação judicial, incluído o período de cumprimento das obrigações assumidas pelo plano de recuperação.
Art. 52. Estando em termos a documentação exigida no art. 51 desta Lei, o juiz deferirá o processamento da recuperação judicial e, no mesmo ato:
§ 2º Deferido o processamento da recuperação judicial, os credores poderão, a qualquer tempo, requerer a convocação de assembléia-geral para a constituição do Comitê de Credores ou substituição de seus membros, observado o disposto no § 2º do art. 36 desta Lei.
Art. 184. Os crimes previstos nesta Lei são de ação penal pública incondicionada.
Parágrafo único. Decorrido o prazo a que se refere o art. 187, § 1º , sem que o representante do Ministério Público ofereça denúncia, qualquer credor habilitado ou o administrador judicial poderá oferecer ação penal privada subsidiária da pública, observado o prazo decadencial de 6 (seis) meses.