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2. Sobre o processamento da recuperação judicial

2.4. A administração da empresa após o deferimento do processamento da rec. judicial

A Lei 11.101/2005 dispõe que, durante o trâmite do processo de recuperação judicial, a administração da empresa deve, ordinariamente, permanecer sob a responsabilidade dos atuais gestores. Essa disposição legal fundamenta-se no entendimento de que, mesmo diante de adversidades financeiras, os administradores detêm, em geral, o conhecimento e a experiência necessária para conduzir de maneira mais eficiente o processo de reestruturação da empresa.

A manutenção dos administradores traz, em geral, benefícios substanciais. Sua familiaridade com as particularidades e atividades cotidianas da empresa permite a operacionalidade contínua dos negócios, elemento essencial para a recuperação. Ademais, manter a gestão atual pode ainda reforçar a confiança de clientes, fornecedores e investidores, uma vez que as crises financeiras nem sempre são consequência de má gestão.

Contudo, é importante salientar que os atos de gestão realizados sofrem limitações (1), bem como a supervisão do administrador judicial e do comitê de credores (quando existente). Tal supervisão, no entanto, não constitui uma interferência direta na administração da empresa. Seu objetivo primordial é garantir a transparência, o cumprimento das obrigações legais e a implementação eficaz do plano de recuperação aprovado, o que é crucial para salvaguardar os interesses dos credores e demais partes envolvidas, assegurando a regularidade e integridade do processo.​

Entretanto, existem situações previstas na Lei em que os administradores podem ser afastados. Vejamos:

  • Condenação em sentença penal transitada em julgado: O afastamento ocorre se os gestores forem condenados por crimes relacionados a falências anteriores, crimes contra o patrimônio (Código Penal Art. 155 a 180), contra a economia popular (Lei 1.521/1951), ou crimes contra a ordem econômica (Lei 8.317/1990 e Lei 12.529/2011);

  • Indícios de crimes previstos na Lei 11.101/2005: Se houver fortes indícios da prática de crimes previstos nos Artigos 168 a 178 da Lei 11.101/2005 durante a recuperação judicial, torna-se necessário o afastamento dos gestores como medida de preservação dos ativos da empresa e proteção aos interesses dos envolvidos no processo.

  • Atos de dolo, simulação ou fraude: A prática de ações de má-fé por parte dos gestores, com objetivo de prejudicar, direta ou indiretamente, os interesses dos credores no processo de recuperação judicial, também enseja no afastamento destes da administração da empresa;

  • Gastos pessoais excessivos: A realização de despesas pessoais excessivas, a nosso entendimento, aplica-se especialmente em reação aos empresários individuais, onde não há separação entre o patrimônio pessoal e o capital utilizado para realização dos negócios empresariais. No que tange às sociedades empresárias, embora exista a autonomia patrimonial, esse tópico pode ser aplicado em situações de retiradas desproporcionais a título de pró-labore, especialmente quando tais valores ultrapassarem a razoabilidade;

  • Despesas injustificáveis de vulto: A realização de gastos excessivos, incompatíveis com o valor do capital social e injustificáveis sob o ponto de vista da natureza dos negócios da empresa, também justificam o afastamento dos gestores;

  • Descapitalização ou operações prejudiciais: Na mesma linha do item anterior, outra circunstância que justifica o afastamento da administração é a execução de atos de gestão que prejudiquem a liquidez ou possam colocar em risco a continuidade das operações normais da empresa;

  • Simulação ou omissão de créditos na relação de credores: A inclusão de créditos fictícios na lista de credores com o objetivo de facilitar a aprovação do plano de recuperação judicial, bem como a ocultação de créditos legítimos para favorecer determinado credor, são práticas que também justificam o afastamento dos gestores responsáveis pela administração da empresa em recuperação. Essas ações além de comprometerem a integridade do processo de recuperação, violam os princípios de equidade e transparência;

  • Recusa em prestar informações: É fundamental que os gestores da empresa em recuperação judicial cumpram rigorosamente com sua obrigação de fornecer informações precisas e tempestivas ao juiz, ao administrador judicial e ao comitê de credores (quando existente). A inobservância dessa exigência deve levar ao afastamento da administração. Isso se deve ao fato de que a transparência nos atos de gestão, no progresso dos negócios e na condição financeira da empresa constitui um dos princípios fundamentais da Recuperação Judicial, essencial para a manutenção da confiança de todos os envolvidos no processo;

  • Previsão no plano de recuperação judicial: O plano de recuperação judicial aprovado em assembleia geral também pode prever a substituição da atual gestão da empresa. Se os credores expressarem preocupações quanto à capacidade da gestão atual em conduzir os negócios de maneira eficaz, pode-se acordar a implementação, por exemplo, de uma gestão profissional.

 

Substituição e nomeação do novo gestor

Com o afastamento da administração atual da empresa, a condução temporária dos negócios empresariais será assumida pelo Administrador Judicial até que um novo gestor seja nomeado. Caso o afastamento dos gestores atuais não seja resultado de interferência dos sócios ou do empresário individual, a nomeação do novo gestor deve obedecer às normas estabelecidas no estatuto ou contrato social da empresa, ou conforme determinado no plano de recuperação judicial.​​

No entanto, se o afastamento decorrer da influência prejudicial dos controladores, não se deve proceder à nomeação de um novo gestor através dos mecanismos normais, a fim de proteger a integridade da gestão. Em situações onde ocorra tanto o afastamento da administração atual quanto a suspensão do direito de voto dos controladores, a escolha do novo gestor será realizada através de uma assembleia geral de credores. O gestor selecionado terá a responsabilidade de gerir a empresa de forma imparcial e eficiente, assegurando que as operações favoreçam todos os envolvidos no processo de recuperação judicial.

Legislação aplicável ao tema:

Lei 11.101/2005

Art. 64. Durante o procedimento de recuperação judicial, o devedor ou seus administradores serão mantidos na condução da atividade empresarial, sob fiscalização do Comitê, se houver, e do administrador judicial, salvo se qualquer deles:

I – houver sido condenado em sentença penal transitada em julgado por crime cometido em recuperação judicial ou falência anteriores ou por crime contra o patrimônio, a economia popular ou a ordem econômica previstos na legislação vigente;

II – houver indícios veementes de ter cometido crime previsto nesta Lei;

III – houver agido com dolo, simulação ou fraude contra os interesses de seus credores;

IV – houver praticado qualquer das seguintes condutas:

a) efetuar gastos pessoais manifestamente excessivos em relação a sua situação patrimonial;

b) efetuar despesas injustificáveis por sua natureza ou vulto, em relação ao capital ou gênero do negócio, ao movimento das operações e a outras circunstâncias análogas;

c) descapitalizar injustificadamente a empresa ou realizar operações prejudiciais ao seu funcionamento regular;

d) simular ou omitir créditos ao apresentar a relação de que trata o inciso III do caput do art. 51 desta Lei, sem relevante razão de direito ou amparo de decisão judicial;

V – negar-se a prestar informações solicitadas pelo administrador judicial ou pelos demais membros do Comitê;

VI – tiver seu afastamento previsto no plano de recuperação judicial.

Parágrafo único. Verificada qualquer das hipóteses do caput deste artigo, o juiz destituirá o administrador, que será substituído na forma prevista nos atos constitutivos do devedor ou do plano de recuperação judicial.

Art. 65. Quando do afastamento do devedor, nas hipóteses previstas no art. 64 desta Lei, o juiz convocará a assembléia-geral de credores para deliberar sobre o nome do gestor judicial que assumirá a administração das atividades do devedor, aplicando-se-lhe, no que couber, todas as normas sobre deveres, impedimentos e remuneração do administrador judicial.

§ 1º O administrador judicial exercerá as funções de gestor enquanto a assembléia-geral não deliberar sobre a escolha deste.

§ 2º Na hipótese de o gestor indicado pela assembléia-geral de credores recusar ou estar impedido de aceitar o encargo para gerir os negócios do devedor, o juiz convocará, no prazo de 72 (setenta e duas) horas, contado da recusa ou da declaração do impedimento nos autos, nova assembléia-geral, aplicado o disposto no § 1º deste artigo.

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