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4. Plano de Rec. Judicial - Propostas do devedor
4.7. Venda parcial de bens ou da totalidade dos ativos da empresa
A alienação de ativos no âmbito do processo de recuperação judicial configura instrumento fundamental para a reestruturação de empresas em crise econômica, visto que possibilita a obtenção de recursos no curto prazo para incremento do capital de giro da empresa, contribuindo para a melhoria das condições financeiras necessárias à preservação da atividade empresarial. A alienação pode ser realizada de duas formas distintas: mediante autorização judicial prévia, quando requerida antes da realização da Assembleia Geral de Credores (AGC), ou por meio de deliberação dos credores, quando prevista como medida integrante do plano de recuperação judicial.
No âmbito do plano de recuperação judicial, a alienação dos ativos é estruturada por meio da constituição de Unidades Produtivas Isoladas (UPIs), que podem englobar bens, direitos de qualquer natureza, tangíveis ou intangíveis, isolados ou em conjunto, incluindo participações societárias. A venda das UPIs deve observar a realização de processo competitivo que pode envolver leilão público ou outra modalidade de procedimento a ser organizado por agente especializado ou pelo próprio Juízo.
O principal atrativo para a aquisição de ativos em processos de recuperação judicial é a ausência de sucessão do adquirente nas obrigações da Recuperanda, incluindo as de natureza ambiental, regulatória, administrativa, penal, anticorrupção, tributária e trabalhista. Tal proteção jurídica, contudo, não se estende a situações em que o adquirente seja sócio da recuperanda, parente em até quarto grau ou agente identificado como representante da devedora. Ademais, a legislação assegura que, uma vez realizada a alienação com autorização judicial expressa ou em conformidade com o plano de recuperação aprovado, esta não será passível de anulação após a consumação do negócio jurídico e o efetivo recebimento dos recursos pela Recuperanda.
Há, no entanto, um ponto crucial que necessita ser observado na alienação de ativos em processos de recuperação judicial, que é a vedação ao esvaziamento patrimonial da Recuperanda em prejuízo aos credores não sujeitos à recuperação judicial, incluindo as Fazendas Públicas. A ocorrência desta situação pode ensejar a convolação da recuperação em falência, nos termos do art. 73, VI da Lei 11.101/2005. No caso específico de venda integral da empresa (trespasse), a lei exige expressamente que seja garantido aos credores não submetidos a recuperação judicial (credores extraconcursais e Fazendas Públicas), condições de recebimento no mínimo equivalentes àquelas que teriam na falência.
Quando a alienação de ativos envolver bens vinculados a garantias reais há necessidade de anuência expressa do credor titular da respectiva garantia, exceto quando o plano de recuperação judicial dispuser sobre a destinação do produto da venda para a quitação integral do crédito garantido. Nesse último cenário, impõe-se a observância do princípio do par conditio creditorum, assegurando tratamento igualitário quanto ao recebimento dos créditos a todos os credores pertencentes à mesma classe de garantias reais.
Por fim, é imprescindível ainda destacar que a alienação de ativos, seja por meio de autorização judicial ou mediante aprovação dos credores no plano de recuperação, exige acompanhamento rigoroso quanto à destinação dos recursos auferidos. De nada valeria a observância de todos os requisitos legais inerentes ao procedimento de alienação de ativos se os recursos não forem estrategicamente aplicados para a superação da crise econômico-financeira e o cumprimento do plano de recuperação judicial.
Doutrina, enunciados, jurisprudência e artigos sobre o tema:
Manoel Justino Bezerra Filho
"À semelhança do que ocorria na concordata da lei anterior, na recuperação o devedor mantém a administração de sua empresa, porém com algumas limitações. Uma das limitações consiste na proibição de alienar ou onerar bens do ativo não circulante, salvo se houver autorização judicial ou se constar do plano de recuperação judicial devidamente aprovado e em execução. A lei é clara no sentido de estabelecer, no art. 60, que a chamada venda “de filiais ou de unidades produtivas isoladas” depende de aprovação do plano de recuperação e deve ser feita judicialmente. Este art. 66 permite, porém, a venda ou a oneração mesmo extrajudicial de quaisquer outros bens, desde que, depois de ouvido o Comitê, o juiz autorize a venda.
Ressalte-se que a autorização apenas é necessária para bens do ativo não circulante, pois a venda de bens do ativo circulante faz parte da atividade empresarial normal, desnecessária, portanto, qualquer autorização judicial." Bezerra Filho, Manoel Justino; Bezerra, Adriano Ribeiro Lyra; Santos, Eronides A. Rodrigues dos. Lei de recuperação de empresas e falência: Lei 11.101/2005 : comentada artigo por artigo (Portuguese Edition) (pp. 537-538). Thomson Reuters Revista dos Tribunais. Edição do Kindle.
Marcelo Sacramone
"Nesses termos, não apenas a alienação integral dos bens na recuperação judicial é possível, como sua prática deve ser estimulada para preservar a empresa na mão de arrematantes e satisfazer em melhor medida os credores. Para tanto, determinou a lei que a venda do conjunto integral dos bens será considerada como Unidade Produtiva Isolada para fins de não sucessão em responsabilidades pelo arrematante, nos termos do art. 60 da Lei.
A venda integral dos bens, contudo, não pode ser utilizada como mecanismo para a satisfação de apenas alguns credores e em detrimento de outros, em violação aos princípios da Lei n. 11.101/2005 que assegura que a recuperação judicial foi concebida como melhor solução negocial para a superação da crise econômico-financeira e satisfação em melhor medida dos interesses de todos os envolvidos. Sequer a aprovação do plano de recuperação judicial pelos credores é suficiente para assegurar a satisfação conforme a respectiva ordem de prioridades, na medida em que nem todos os credores estão submetidos ao procedimento de recuperação judicial." Sacramone, Marcelo. Comentários à Lei de Recuperação de empresa e falência - 5ª edição 2024 (Portuguese Edition) (p. 263). Edição do Kindle.
Enunciado 47 - I Jornada de Direito Comercial
Nas alienações realizadas nos termos do art. 60 da Lei n. 11.101/2005, não há sucessão do adquirente nas dívidas do devedor, inclusive nas de natureza tributária, trabalhista e decorrentes de acidentes de trabalho.
Legislação aplicável ao tema:
Lei 11.101/2005
Art. 50. Constituem meios de recuperação judicial, observada a legislação pertinente a cada caso, dentre outros:
VII – trespasse ou arrendamento de estabelecimento, inclusive à sociedade constituída pelos próprios empregados;
XI – venda parcial dos bens;
XVIII - venda integral da devedora, desde que garantidas aos credores não submetidos ou não aderentes condições, no mínimo, equivalentes àquelas que teriam na falência, hipótese em que será, para todos os fins, considerada unidade produtiva isolada.
§ 1º Na alienação de bem objeto de garantia real, a supressão da garantia ou sua substituição somente serão admitidas mediante aprovação expressa do credor titular da respectiva garantia.
§ 3º Não haverá sucessão ou responsabilidade por dívidas de qualquer natureza a terceiro credor, investidor ou novo administrador em decorrência, respectivamente, da mera conversão de dívida em capital, de aporte de novos recursos na devedora ou de substituição dos administradores desta.
§ 4º O imposto sobre a renda e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) incidentes sobre o ganho de capital resultante da alienação de bens ou direitos pela pessoa jurídica em recuperação judicial poderão ser parcelados, com atualização monetária das parcelas, observado o seguinte:
I - o disposto na Lei nº 10.522, de 19 de julho de 2002; e
II - a utilização, como limite, da mediana de alongamento no plano de recuperação judicial em relação aos créditos a ele sujeitos.
§ 5º O limite de alongamento de prazo a que se refere o inciso II do § 4º deste artigo será readequado na hipótese de alteração superveniente do plano de recuperação judicial.
Art. 60. Se o plano de recuperação judicial aprovado envolver alienação judicial de filiais ou de unidades produtivas isoladas do devedor, o juiz ordenará a sua realização, observado o disposto no art. 142 desta Lei.
Parágrafo-único. O objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor de qualquer natureza, incluídas, mas não exclusivamente, as de natureza ambiental, regulatória, administrativa, penal, anticorrupção, tributária e trabalhista, observado o disposto no § 1º do art. 141 desta Lei.
Art. 60-A. A unidade produtiva isolada de que trata o art. 60 desta Lei poderá abranger bens, direitos ou ativos de qualquer natureza, tangíveis ou intangíveis, isolados ou em conjunto, incluídas participações dos sócios.
Parágrafo único. O disposto no caput deste artigo não afasta a incidência do inciso VI do caput e do § 2º do art. 73 desta Lei.
Art. 66. Após a distribuição do pedido de recuperação judicial, o devedor não poderá alienar ou onerar bens ou direitos de seu ativo não circulante, inclusive para os fins previstos no art. 67 desta Lei, salvo mediante autorização do juiz, depois de ouvido o Comitê de Credores, se houver, com exceção daqueles previamente autorizados no plano de recuperação judicial.
§ 1º Autorizada a alienação de que trata o caput deste artigo pelo juiz, observar-se-á o seguinte:
I - nos 5 (cinco) dias subsequentes à data da publicação da decisão, credores que corresponderem a mais de 15% (quinze por cento) do valor total de créditos sujeitos à recuperação judicial, comprovada a prestação da caução equivalente ao valor total da alienação, poderão manifestar ao administrador judicial, fundamentadamente, o interesse na realização da assembleia-geral de credores para deliberar sobre a realização da venda;
II - nas 48 (quarenta e oito) horas posteriores ao final do prazo previsto no inciso I deste parágrafo, o administrador judicial apresentará ao juiz relatório das manifestações recebidas e, somente na hipótese de cumpridos os requisitos estabelecidos, requererá a convocação de assembleia-geral de credores, que será realizada da forma mais célere, eficiente e menos onerosa, preferencialmente por intermédio dos instrumentos referidos no § 4º do art. 39 desta Lei.
§ 2º As despesas com a convocação e a realização da assembleia-geral correrão por conta dos credores referidos no inciso I do § 1º deste artigo, proporcionalmente ao valor total de seus créditos.
§ 3º Desde que a alienação seja realizada com observância do disposto no § 1º do art. 141 e no art. 142 desta Lei, o objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do adquirente nas obrigações do devedor, incluídas, mas não exclusivamente, as de natureza ambiental, regulatória, administrativa, penal, anticorrupção, tributária e trabalhista.
§ 4º O disposto no caput deste artigo não afasta a incidência do inciso VI do caput e do § 2º do art. 73 desta Lei.
Art. 66-A. A alienação de bens ou a garantia outorgada pelo devedor a adquirente ou a financiador de boa-fé, desde que realizada mediante autorização judicial expressa ou prevista em plano de recuperação judicial ou extrajudicial aprovado, não poderá ser anulada ou tornada ineficaz após a consumação do negócio jurídico com o recebimento dos recursos correspondentes pelo devedor.
Art. 73. O juiz decretará a falência durante o processo de recuperação judicial:
VI - quando identificado o esvaziamento patrimonial da devedora que implique liquidação substancial da empresa, em prejuízo de credores não sujeitos à recuperação judicial, inclusive as Fazendas Públicas.
§ 2º A hipótese prevista no inciso VI do caput deste artigo não implicará a invalidade ou a ineficácia dos atos, e o juiz determinará o bloqueio do produto de eventuais alienações e a devolução ao devedor dos valores já distribuídos, os quais ficarão à disposição do juízo.
Art. 141. Na alienação conjunta ou separada de ativos, inclusive da empresa ou de suas filiais, promovida sob qualquer das modalidades de que trata o art. 142:
I – todos os credores, observada a ordem de preferência definida no art. 83 desta Lei, sub-rogam-se no produto da realização do ativo;
II – o objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária, as derivadas da legislação do trabalho e as decorrentes de acidentes de trabalho.
§ 1º O disposto no inciso II do caput deste artigo não se aplica quando o arrematante for:
I – sócio da sociedade falida, ou sociedade controlada pelo falido;
II – parente, em linha reta ou colateral até o 4º (quarto) grau, consangüíneo ou afim, do falido ou de sócio da sociedade falida; ou
III – identificado como agente do falido com o objetivo de fraudar a sucessão.
Art. 142. A alienação de bens dar-se-á por uma das seguintes modalidades:
I - leilão eletrônico, presencial ou híbrido;
IV - processo competitivo organizado promovido por agente especializado e de reputação ilibada, cujo procedimento deverá ser detalhado em relatório anexo ao plano de realização do ativo ou ao plano de recuperação judicial, conforme o caso;
V - qualquer outra modalidade, desde que aprovada nos termos desta Lei.
§ 2º-A. A alienação de que trata o caput deste artigo:
I - dar-se-á independentemente de a conjuntura do mercado no momento da venda ser favorável ou desfavorável, dado o caráter forçado da venda;
II - independerá da consolidação do quadro-geral de credores;
III - poderá contar com serviços de terceiros como consultores, corretores e leiloeiros;
IV - deverá ocorrer no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias, contado da data da lavratura do auto de arrecadação, no caso de falência;
V - não estará sujeita à aplicação do conceito de preço vil.
§ 3º Ao leilão eletrônico, presencial ou híbrido aplicam-se, no que couber, as regras da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil).
§ 3º-A. A alienação por leilão eletrônico, presencial ou híbrido dar-se-á:
I - em primeira chamada, no mínimo pelo valor de avaliação do bem;
II - em segunda chamada, dentro de 15 (quinze) dias, contados da primeira chamada, por no mínimo 50% (cinquenta por cento) do valor de avaliação; e
III - em terceira chamada, dentro de 15 (quinze) dias, contados da segunda chamada, por qualquer preço.
§ 3º-B. A alienação prevista nos incisos IV e V do caput deste artigo, conforme disposições específicas desta Lei, observará o seguinte:
I - será aprovada pela assembleia-geral de credores;
II - decorrerá de disposição de plano de recuperação judicial aprovado; ou
III - deverá ser aprovada pelo juiz, considerada a manifestação do administrador judicial e do Comitê de Credores, se existente.
§ 7º Em qualquer modalidade de alienação, o Ministério Público e as Fazendas Públicas serão intimados por meio eletrônico, nos termos da legislação vigente e respeitadas as respectivas prerrogativas funcionais, sob pena de nulidade.
§ 8º Todas as formas de alienação de bens realizadas de acordo com esta Lei serão consideradas, para todos os fins e efeitos, alienações judiciais