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3. Os créditos e os credores na Rec. Judicial

3.6. Como fica a situação dos créditos em moeda estrangeira?

Os créditos em moeda estrangeira são uma realidade frequente nos processos de recuperação judicial, especialmente em empresas de grande porte e em operações do agronegócio. O tratamento jurídico desses créditos demanda atenção redobrada, dado o impacto que a variação cambial pode exercer sobre a viabilidade do plano de recuperação.

A legislação brasileira (Lei nº 11.101/2005) estabelece regras específicas para gestão e conversão das dívidas em moeda estrangeira. Em regra, a recuperação judicial não suspende a variação cambial da dívida contratada, de modo que eventuais oscilações da taxa de câmbio continuam repercutindo sobre o valor devido. Assim, a obrigação permanece na moeda originalmente pactuada, cabendo ao plano de recuperação prever eventual forma diversa de pagamento, desde que haja anuência expressa do credor titular do crédito.

Para fins de deliberação em Assembleia Geral de Credores (AGC), o Art. 38 Parágrafo Único, da Lei nº 11.101/2005 determina que a conversão dos créditos em moeda estrangeira seja feita pela taxa de câmbio da véspera da assembleia. Tal sistemática busca assegurar isonomia no poder de voto e previsibilidade ao conclave. Ressalte-se que, havendo suspensão ou adiamento da AGC, mantém-se a conversão inicial, em observância ao princípio da unicidade do conclave.

É fundamental ressaltar, contudo, que nem todos os créditos em moeda estrangeira se submetem ao regime recuperacional. O Art. 49, § 4º, da Lei nº 11.101/2005 exclui expressamente da recuperação judicial os créditos oriundos de adiantamento a contrato de câmbio para exportação (ACC), previsão reforçada pelo art. 86, II, da mesma lei. Nesses casos, o credor de ACC tem assegurado o direito de prosseguir com a cobrança de forma autônoma, sem sujeição ao stay period ou às condições do plano. A razão dessa exceção está na proteção ao financiamento à exportação, instrumento essencial para a competitividade e sustentabilidade da economia nacional.

A manutenção de passivos em moeda estrangeira representa um desafio adicional para empresas em processo de recuperação judicial. Uma elevação abrupta da moeda estrangeira, por exemplo, pode elevar exponencialmente o montante devido em reais, onerando o plano de recuperação e, em situações extremas, inviabilizando-o. Por essa razão, a negociação direta com credores internacionais, visando à fixação de taxa de câmbio fixa ou à adoção de instrumentos de hedge, mostra-se estratégica durante a elaboração do plano, permitindo mitigar riscos e assegurar maior previsibilidade ao processo recuperacional.

Em síntese, a disciplina legal dos créditos em moeda estrangeira reflete a preocupação do legislador em equilibrar a preservação da empresa em crise com a proteção dos credores internacionais e a estabilidade do mercado. Trata-se de um ponto nevrálgico da recuperação judicial, em que o planejamento financeiro e a técnica jurídica caminham lado a lado para a construção de soluções viáveis.

Legislação aplicável ao tema:

Lei 11.101/2005

Art. 38. O voto do credor será proporcional ao valor de seu crédito, ressalvado, nas deliberações sobre o plano de recuperação judicial, o disposto no § 2º do art. 45 desta Lei.

Parágrafo único. Na recuperação judicial, para fins exclusivos de votação em assembléia-geral, o crédito em moeda estrangeira será convertido para moeda nacional pelo câmbio da véspera da data de realização da assembléia.

Art. 49. Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos.

§ 4º Não se sujeitará aos efeitos da recuperação judicial a importância a que se refere o inciso II do art. 86 desta Lei.

Art. 86. Proceder-se-á à restituição em dinheiro:

II – da importância entregue ao devedor, em moeda corrente nacional, decorrente de adiantamento a contrato de câmbio para exportação, na forma do art. 75, §§ 3º e 4º , da Lei nº 4.728, de 14 de julho de 1965, desde que o prazo total da operação, inclusive eventuais prorrogações, não exceda o previsto nas normas específicas da autoridade competente;

Art. 50. Constituem meios de recuperação judicial, observada a legislação pertinente a cada caso, dentre outros:

§ 2º Nos créditos em moeda estrangeira, a variação cambial será conservada como parâmetro de indexação da correspondente obrigação e só poderá ser afastada se o credor titular do respectivo crédito aprovar expressamente previsão diversa no plano de recuperação judicial.

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