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3. Os créditos e os credores na Rec. Judicial

3.14. Situação dos avalistas da empresa em recuperação judicial

Os créditos submetidos aos efeitos da recuperação judicial que possuem garantias fidejussórias ou reais podem ser exigidos integralmente em relação aos coobrigados, conforme os termos originais do contrato. Conforme §1º do artigo 49 da Lei 11.101/2005, os credores do devedor em recuperação judicial conservam seus direitos e privilégios contra avalistas, fiadores, coobrigados e obrigados de regresso. Nesse sentido, cria-se um regime jurídico específico, com as seguintes características principais:

  • Prosseguimento das execuções: O deferimento do processamento da recuperação judicial não suspende a exigibilidade das obrigações em face dos coobrigados. A suspensão das execuções (stay period), prevista no artigo 6º da Lei 11.101/2005, beneficia exclusivamente a empresa recuperanda. Conforme entendimento pacificado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) em sede de recurso repetitivo (Tema 885), o stay period não se aplica às ações ajuizadas contra terceiros devedores solidários ou coobrigados em geral, por garantia cambial, real ou fidejussória. Os credores podem, portanto, continuar buscando a satisfação de seus créditos em relação a esses garantidores;

  • Autonomia das garantias: A novação do crédito, que ocorre com a aprovação do plano e a concessão da recuperação judicial (art. 59 da Lei 11.101/2005), não produz efeitos em relação aos avalistas, fiadores e demais coobrigados. Essa regra, estabelecida no §1º do artigo 49 da mesma Lei, garante aos credores o direito de exigir a totalidade da dívida dos garantidores, nos exatos moldes do contrato original, independentemente de eventual deságio ou prorrogação de prazo concedido à devedora principal;

  • Efeitos do pagamento: A execução concomitante do coobrigado com a habilitação do crédito na recuperação judicial são permitidas, observando-se que pagamentos realizados pela recuperanda devem ser deduzidos do montante executado contra os garantidores, a fim de evitar o enriquecimento ilícito do credor. Por outro lado, caso o coobrigado realize o pagamento integral ou parcial do crédito, opera-se a sub-rogação, que lhe permite assumir os direitos do credor originário na recuperação judicial;

  • Sub-rogação: O pagamento realizado pelo coobrigado implica sub-rogação nos direitos do credor originário, nos termos do artigo 349 do Código Civil. O garantidor assume a titularidade do crédito com todos os seus elementos primitivos, incluindo natureza e classificação (art. 83, §5º, da Lei 11.101/2005). Dessa forma, o crédito sub-rogado submete-se integralmente ao plano de recuperação judicial aprovado, sujeitando o coobrigado a eventual deságio ou alongamento no prazo de pagamento;

  • Possibilidade de Negociação: Embora a lei proteja a autonomia das garantias, nada impede que o plano de recuperação judicial, mediante negociação direta e aprovação expressa do credor titular, preveja disposições específicas sobre as garantias, como sua supressão ou substituição, nos termos do art. 50, §1º, da Lei. Adicionalmente, a legislação prevê, em caráter excepcional, a isenção de garantias pessoais no âmbito de plano de recuperação apresentado pelos próprios credores (art. 56, §6º, V).

A preservação da autonomia das garantias visa fortalecer a segurança e a previsibilidade no mercado de crédito. Contudo, na prática, essa dinâmica apresenta desafios significativos, especialmente para empresas de médio porte, onde é comum a utilização do aval de sócios como garantia em operações financeiras. Esse cenário gera um paradoxo: enquanto a recuperação judicial oferece uma oportunidade de reorganização para a empresa, ela também expõe os sócios garantidores a execuções e à potencial perda de seu patrimônio pessoal.

Embora a recuperação judicial seja uma ferramenta essencial para a superação de crises, sua estrutura normativa, que exclui os coobrigados dos seus efeitos protetivos, exige cautela e planejamento estratégico, sob pena do instituto agravar a situação patrimonial dos sócios e administradores. É imprescindível que estes avaliem detalhadamente as consequências das garantias prestadas em relação aos créditos sujeitos ao processo, a fim de antecipar e mitigar os impactos da recuperação judicial sobre seu patrimônio pessoal.

Doutrina, enunciados, jurisprudência e artigos sobre o tema:

Manoel Justino Bezerra Filho

" Aspecto extremamente curioso diz respeito à situação do coobrigado que também esteja em recuperação judicial. Em tal situação, sobre o § 1.°, prevalece o caput do art. 49. Segundo o caput, todos os créditos estão sujeitos à recuperação judicial e, com muito maior razão, também estará sujeito o crédito decorrente da coobrigação. Em princípio, o coobrigado responde pela totalidade do crédito; se estiver em recuperação, responde pelo valor que vier a ser fixado no plano aprovado e homologado judicialmente. Examine-se interessante julgado, parece que o único que já enfrentou esta matéria: Ap. 0178345-62.2012.8.26.0100, 11.a Câm. de Direito Privado do TJSP, j. em 30.06.2016, rel. o Des. Gil Coelho. Embora este julgado tenha negado provimento ao recurso do coobrigado embargante em execução, em sua fundamentação firma o entendimento de que a responsabilidade do coobrigado também em recuperação, fica limitada ao valor fixado no plano." (Bezerra Filho, Manoel Justino; Bezerra, Adriano Ribeiro Lyra; Santos, Eronides A. Rodrigues dos. Lei de recuperação de empresas e falência: Lei 11.101/2005 : comentada artigo por artigo (Portuguese Edition) (pp. 371-372). Thomson Reuters Revista dos Tribunais. Edição do Kindle.) (grifo nosso)

STJ - Sumula 581

A recuperação judicial do devedor principal não impede o prosseguimento das ações e execuções ajuizadas contra terceiros devedores solidários ou coobrigados em geral, por garantia cambial, real ou fidejussória. (SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 14/09/2016, DJe 19/09/2016)

STJ - Tema repetitivo 885

A recuperação judicial do devedor principal não impede o prosseguimento das execuções nem induz suspensão ou extinção de ações ajuizadas contra terceiros devedores solidários ou coobrigados em geral, por garantia cambial, real ou fidejussória, pois não se lhes aplicam a suspensão prevista nos arts. 6º, caput, e 52, inciso III, ou a novação a que se refere o art. 59, caput, por força do que dispõe o art. 49, § 1º, todos da Lei n. 11.101/2005

Enunciado 43 -I Jornada de Direito Comercial

A suspensão das ações e execuções previstas no art. 6º da Lei n. 11.101/2005 não se estende aos coobrigados do devedor.

Legislação aplicável ao tema:

Lei 11.101/2005

Art. 49. Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos.

§ 1º Os credores do devedor em recuperação judicial conservam seus direitos e privilégios contra os coobrigados, fiadores e obrigados de regresso.

Art. 50. Constituem meios de recuperação judicial, observada a legislação pertinente a cada caso, dentre outros:

§ 1º Na alienação de bem objeto de garantia real, a supressão da garantia ou sua substituição somente serão admitidas mediante aprovação expressa do credor titular da respectiva garantia.

Art. 56. Havendo objeção de qualquer credor ao plano de recuperação judicial, o juiz convocará a assembléia-geral de credores para deliberar sobre o plano de recuperação.

§ 6º O plano de recuperação judicial proposto pelos credores somente será posto em votação caso satisfeitas, cumulativamente, as seguintes condições:

V - previsão de isenção das garantias pessoais prestadas por pessoas naturais em relação aos créditos a serem novados e que sejam de titularidade dos credores mencionados no inciso III deste parágrafo ou daqueles que votarem favoravelmente ao plano de recuperação judicial apresentado pelos credores, não permitidas ressalvas de voto;

Art. 59. O plano de recuperação judicial implica novação dos créditos anteriores ao pedido, e obriga o devedor e todos os credores a ele sujeitos, sem prejuízo das garantias, observado o disposto no § 1º do art. 50 desta Lei.

Código Civil

Art. 349. A sub-rogação transfere ao novo credor todos os direitos, ações, privilégios e garantias do primitivo, em relação à dívida, contra o devedor principal e os fiadores.

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