top of page

3. Os créditos e os credores na Rec. Judicial

3.13. Obrigações contraídas pela recuperanda durante a recuperação judicial

Vender a prazo ou conceder empréstimos para uma empresa em recuperação judicial pode ser, em muitos casos, mais seguro do que para uma empresa em situação normal. Isso ocorre porque o processo de recuperação judicial proporciona total transparência quanto à efetiva situação econômico-financeira da empresa recuperanda, diferentemente do que acontece no mercado brasileiro em geral, onde não são raros os casos de empresas que apresentam bons números no papel, mas posteriormente revelam-se em situação de crise.

De acordo com o artigo 67 da Lei 11.101/2005, créditos decorrentes de obrigações contraídas pela empresa durante o processo de recuperação judicial têm tratamento extraconcursal. Isso implica que os créditos constituídos após o deferimento da recuperação judicial, como por exemplo em uma venda a prazo ou contratos de mútuo, não estarão sujeitos às condições impostas pelo plano de recuperação e têm prioridade no recebimento em caso de falência. Adicionalmente, em situações de inadimplência desses créditos, o credor tem o direito de executá-los nos mesmos moldes de uma execução contra uma empresa em situação regular, reforçando a segurança para fornecedores e credores que optam por manter relações comerciais com a empresa em recuperação.

Com a reforma da Lei de Recuperação de Empresas e Falência promovida pela Lei nº 14.112/2020, houve ainda uma evolução importante no processo de concessão de crédito às empresas em crise, com a introdução do DIP Financing (Debtor-in-Possession Financing). Originado no direito norte-americano, o DIP Financing tornou-se hoje um instrumento essencial para o financiamento das empresas em recuperação judicial, na medida em que viabilizou a utilização de bens e direitos como garantia das operações de crédito, propiciando maior segurança aos credores.

Vejamos as principais características do DIP Financing:

  • Necessidade de Autorização Judicial e Oitiva do Comitê: A autorização do juiz, após a oitiva do Comitê de Credores (se houver), é imprescindível para que o financiamento seja efetivado. Esse controle garante que a aplicação dos recursos esteja alinhada com os interesses da reestruturação da empresa, protegendo os direitos dos demais credores;

  • Estabilidade e Segurança Jurídica: Eventual reforma da decisão que autorizou o financiamento DIP, em grau de recurso, não altera a natureza extraconcursal do crédito nem as garantias outorgadas ao financiador, assegurando que os termos se mantenham inalterados desde que o financiador tenha agido de boa-fé. A lei também protege o negócio jurídico, que não poderá ser anulado ou tornado ineficaz após a consumação e recebimento dos recursos pela devedora;

  • Garantias Permitidas e Flexibilidade: O financiamento pode ser garantido tanto pela alienação fiduciária de bens e direitos do ativo não circulante da Recuperanda, quanto por garantias fornecidas por terceiros. A lei inovou ao permitir a constituição de "garantia subordinada", que autoriza a oneração de um ativo já garantido, limitada ao valor que excede a garantia original, ampliando a capacidade de obtenção de novos recursos;

  • Natureza Extraconcursal do Crédito: O financiamento DIP é classificado como crédito extraconcursal, o que significa que ele não se submete aos efeitos da recuperação judicial e, em caso de convolação em falência, mantém as garantias e preferências estabelecidas;

  • Prioridade no Recebimento em Caso de Falência: Os créditos provenientes de DIP Financing possuem posição privilegiada na ordem de pagamento em caso de falência, conforme o artigo 84 da Lei 11.101/2005. O valor efetivamente entregue ao devedor pelo financiador (inciso I-B) será pago com precedência sobre a maioria dos outros créditos extraconcursais, sendo superado apenas por despesas essenciais à administração da falência e por certas restituições em dinheiro (inciso I-A);

  • Possibilidade de Financiamento por Qualquer Interessado: Segundo o artigo 69-E, o financiamento pode ser concedido por qualquer pessoa ou entidade, incluindo credores (sujeitos ou não à recuperação), familiares, sócios e integrantes do grupo econômico do devedor, o que amplia significativamente as possibilidades de captação de recursos;

  • Rescisão Automática do Contrato em Caso de Falência: De acordo com o artigo 69-D, se a recuperação judicial for convolada em falência antes da liberação integral dos valores pelo financiador, o contrato de financiamento será considerado automaticamente rescindido. Contudo, as garantias previamente constituídas serão preservadas até o limite dos valores efetivamente entregues ao devedor.

Como se pode observar, empresas em recuperação judicial podem oferecer oportunidades únicas para negócios e investimentos. Com um monitoramento eficaz e uma análise financeira e jurídica robusta, participar como fornecedor ou financiador de uma empresa nessa condição pode ser vantajoso. A supervisão do administrador judicial e a estrutura legal clara proporcionam um ambiente em que os riscos são mitigados e as oportunidades, maximizadas. Portanto, é essencial que investidores e credores considerem essas empresas como potenciais parceiros de negócios, avaliando cada caso com a devida diligência e cautela.

Legislação aplicável ao tema:

Lei 11.101/2005

Art. 49. Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos.

Art. 66. Após a distribuição do pedido de recuperação judicial, o devedor não poderá alienar ou onerar bens ou direitos de seu ativo não circulante, inclusive para os fins previstos no art. 67 desta Lei, salvo mediante autorização do juiz, depois de ouvido o Comitê de Credores, se houver, com exceção daqueles previamente autorizados no plano de recuperação judicial.

Art. 66-A. A alienação de bens ou a garantia outorgada pelo devedor a adquirente ou a financiador de boa-fé, desde que realizada mediante autorização judicial expressa ou prevista em plano de recuperação judicial ou extrajudicial aprovado, não poderá ser anulada ou tornada ineficaz após a consumação do negócio jurídico com o recebimento dos recursos correspondentes pelo devedor. 

Art. 67. Os créditos decorrentes de obrigações contraídas pelo devedor durante a recuperação judicial, inclusive aqueles relativos a despesas com fornecedores de bens ou serviços e contratos de mútuo, serão considerados extraconcursais, em caso de decretação de falência, respeitada, no que couber, a ordem estabelecida no art. 83 desta Lei.

Parágrafo único. O plano de recuperação judicial poderá prever tratamento diferenciado aos créditos sujeitos à recuperação judicial pertencentes a fornecedores de bens ou serviços que continuarem a provê-los normalmente após o pedido de recuperação judicial, desde que tais bens ou serviços sejam necessários para a manutenção das atividades e que o tratamento diferenciado seja adequado e razoável no que concerne à relação comercial futura.

Art. 69-A. Durante a recuperação judicial, nos termos dos arts. 66 e 67 desta Lei, o juiz poderá, depois de ouvido o Comitê de Credores, autorizar a celebração de contratos de financiamento com o devedor, garantidos pela oneração ou pela alienação fiduciária de bens e direitos, seus ou de terceiros, pertencentes ao ativo não circulante, para financiar as suas atividades e as despesas de reestruturação ou de preservação do valor de ativos.

Art. 69-B. A modificação em grau de recurso da decisão autorizativa da contratação do financiamento não pode alterar sua natureza extraconcursal, nos termos do art. 84 desta Lei, nem as garantias outorgadas pelo devedor em favor do financiador de boa-fé, caso o desembolso dos recursos já tenha sido efetivado.

Art. 69-C. O juiz poderá autorizar a constituição de garantia subordinada sobre um ou mais ativos do devedor em favor do financiador de devedor em recuperação judicial, dispensando a anuência do detentor da garantia original. 

§ 1º A garantia subordinada, em qualquer hipótese, ficará limitada ao eventual excesso resultante da alienação do ativo objeto da garantia original. 

§ 2º O disposto no caput deste artigo não se aplica a qualquer modalidade de alienação fiduciária ou de cessão fiduciária.

Art. 69-D. Caso a recuperação judicial seja convolada em falência antes da liberação integral dos valores de que trata esta Seção, o contrato de financiamento será considerado automaticamente rescindido.

Parágrafo único. As garantias constituídas e as preferências serão conservadas até o limite dos valores efetivamente entregues ao devedor antes da data da sentença que convolar a recuperação judicial em falência.

Art. 69-E. O financiamento de que trata esta Seção poderá ser realizado por qualquer pessoa, inclusive credores, sujeitos ou não à recuperação judicial, familiares, sócios e integrantes do grupo do devedor.

Art. 69-F. Qualquer pessoa ou entidade pode garantir o financiamento de que trata esta Seção mediante a oneração ou a alienação fiduciária de bens e direitos, inclusive o próprio devedor e os demais integrantes do seu grupo, estejam ou não em recuperação judicial.

Art. 84. Serão considerados créditos extraconcursais e serão pagos com precedência sobre os mencionados no art. 83 desta Lei, na ordem a seguir, aqueles relativos:

I-A - às quantias referidas nos arts. 150 e 151 desta Lei; 

I-B - ao valor efetivamente entregue ao devedor em recuperação judicial pelo financiador, em conformidade com o disposto na Seção IV-A do Capítulo III desta Lei;

I-C - aos créditos em dinheiro objeto de restituição, conforme previsto no art. 86 desta Lei;

I-D - às remunerações devidas ao administrador judicial e aos seus auxiliares, aos reembolsos devidos a membros do Comitê de Credores, e aos créditos derivados da legislação trabalhista ou decorrentes de acidentes de trabalho relativos a serviços prestados após a decretação da falência;  

I-E - às obrigações resultantes de atos jurídicos válidos praticados durante a recuperação judicial, nos termos do art. 67 desta Lei, ou após a decretação da falência;

II - às quantias fornecidas à massa falida pelos credores;

III - às despesas com arrecadação, administração, realização do ativo, distribuição do seu produto e custas do processo de falência; 

IV - às custas judiciais relativas às ações e às execuções em que a massa falida tenha sido vencida; 

V - aos tributos relativos a fatos geradores ocorridos após a decretação da falência, respeitada a ordem estabelecida no art. 83 desta Lei.

§ 1º As despesas referidas no inciso I-A do caput deste artigo serão pagas pelo administrador judicial com os recursos disponíveis em caixa.

§ 2º O disposto neste artigo não afasta a hipótese prevista no art. 122 desta Lei.

Art. 86. Proceder-se-á à restituição em dinheiro:

I – se a coisa não mais existir ao tempo do pedido de restituição, hipótese em que o requerente receberá o valor da avaliação do bem, ou, no caso de ter ocorrido sua venda, o respectivo preço, em ambos os casos no valor atualizado;

II – da importância entregue ao devedor, em moeda corrente nacional, decorrente de adiantamento a contrato de câmbio para exportação, na forma do art. 75, §§ 3º e 4º , da Lei nº 4.728, de 14 de julho de 1965, desde que o prazo total da operação, inclusive eventuais prorrogações, não exceda o previsto nas normas específicas da autoridade competente;

III – dos valores entregues ao devedor pelo contratante de boa-fé na hipótese de revogação ou ineficácia do contrato, conforme disposto no art. 136 desta Lei.

IV - às Fazendas Públicas, relativamente a tributos passíveis de retenção na fonte, de descontos de terceiros ou de sub-rogação e a valores recebidos pelos agentes arrecadadores e não recolhidos aos cofres públicos.

Art. 150. As despesas cujo pagamento antecipado seja indispensável à administração da falência, inclusive na hipótese de continuação provisória das atividades previstas no inciso XI do caput do art. 99 desta Lei, serão pagas pelo administrador judicial com os recursos disponíveis em caixa.

Art. 151. Os créditos trabalhistas de natureza estritamente salarial vencidos nos 3 (três) meses anteriores à decretação da falência, até o limite de 5 (cinco) salários-mínimos por trabalhador, serão pagos tão logo haja disponibilidade em caixa.

© 2024 Por EmpresaemCrise.com

Empresa em Crise

bottom of page