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2. Sobre o processamento da recuperação judicial

2.6. Consequências do processamento da recuperação  judicial em relação aos créditos fiscais

Os créditos de natureza fiscal não se submetem aos efeitos da Recuperação Judicial. O art. 29 da Lei nº 6.830/80 (Lei de Execuções Fiscais) é categórico ao estabelecer que a cobrança da dívida ativa da Fazenda Pública não se sujeita ao regime recuperacional. Ressalte-se, ademais, que tais créditos não se limitam apenas a tributos, mas abrangem também débitos de outra natureza perante a Fazenda Pública, como multas administrativas e demais obrigações não tributárias. Nessa linha, a exigência do inciso X do art. 51 da Lei nº 11.101/2005, que impõe ao devedor a apresentação de seu passivo fiscal quando do requerimento da Recuperação Judicial, não tem a finalidade de submeter tais créditos ao processo, mas apenas de assegurar a transparência e a ciência dos credores sobre a existência dessas dívidas.

O deferimento do processamento da Recuperação Judicial, portanto, não suspende as execuções fiscais em curso, que prosseguem regularmente em seus respectivos juízos. Igualmente, os créditos fiscais não se beneficiam das proteções previstas nos incisos I, II e III do caput do art. 6º da Lei nº 11.101/2005, de modo que o juízo da execução fiscal permanece plenamente competente para determinar medidas constritivas sobre o patrimônio do devedor, como retenções, arrestos, penhoras, sequestros, busca e apreensão e demais constrições judiciais, mesmo durante o período de stay period.

Contudo, o §7º-B do art. 6º da Lei nº 11.101/2005 permite que o juízo da recuperação judicial determine a substituição dos atos de constrição que recaiam sobre bens de capital essenciais à manutenção da atividade empresarial até o encerramento da recuperação judicial. Essa substituição deve ser implementada mediante cooperação jurisdicional, observando-se o princípio da menor onerosidade ao devedor previsto no art. 805 do Código de Processo Civil. Dessa forma, a Recuperanda deve manifestar-se ao juízo da recuperação judicial para que este avalie se a constrição realizada pelo juízo da execução fiscal incide sobre bens essenciais. Uma vez constatada a essencialidade do bem, o Juízo da recuperação judicial tem competência para determinar a substituição por outros bens ou garantias que não comprometam a continuidade das atividades empresariais. Caso não haja bens substitutos disponíveis, a Lei não prevê a possibilidade de impedimento da constrição, mantendo-se a efetividade da execução fiscal.

Adicionalmente, o art. 57 da Lei nº 11.101/2005 estabelece ainda que, após a aprovação do plano de recuperação judicial pela assembleia-geral de credores, o devedor deverá apresentar certidões negativas de débitos tributários ou certidões positivas com efeitos de negativas, nos termos dos artigos 151, 205 e 206 do Código Tributário Nacional. A apresentação dessas certidões é condição indispensável para o Juiz conceder a recuperação judicial, reforçando a exigência de regularização fiscal por parte da empresa em recuperação.

Como se pode observar, a legislação confere ao Fisco mecanismos de pressão sobre a empresa Recuperanda, exigindo a quitação ou o parcelamento de débitos fiscais como condição para o prosseguimento regular do processo de recuperação judicial. No entanto, por outro lado, há também uma facilitação quanto à negociação das dívidas fiscais, especialmente as federais. A Lei nº 13.988/2020 introduziu alterações importantes na Lei nº 10.522/2002, regulamentando a transação tributária nos seus artigos 10-A, 10-B e 10-C. Essa modalidade permite que empresas em recuperação judicial negociem suas dívidas fiscais com a União, podendo obter:

  • Prazo para pagamento de até 120 meses, proporcionando um alongamento significativo no prazo para quitação dos débitos.

  • Descontos de até 70% no valor total dos débitos, a depender da capacidade de pagamento da empresa.

  • Escalonamento crescente no valor das parcelas, ajustando o fluxo de pagamentos à recuperação financeira da empresa.

  • Possibilidade de utilização de prejuízo fiscal e base de cálculo negativa da CSLL como crédito para quitação de até 30% da dívida fiscal.

  • Suspensão das execuções fiscais em curso mediante simples apresentação de proposta de transação pela Recuperanda (suspensão imediata).

É crucial destacar, no entanto, que o descumprimento do acordo de transação tributária pode acarretar consequências graves. Conforme o inciso IV do §4º-A do art. 10-A da Lei nº 10.522/2002, o inadimplemento das obrigações assumidas autoriza a Fazenda Nacional a requerer a convolação da recuperação judicial em falência.

Para o caso de dívidas da empresa Recuperanda com Estados e Municípios, o § 4º do Art. 155-A do Código Tributário Nacional estabelece que o prazo do parcelamento deve seguir a regra da Lei Federal. Em não havendo legislação estadual ou municipal prevendo parcelamento nestas condições, deve ser flexibilizada a exigência de certidões negativas de débitos ou certidões positivas com efeitos de negativas destes entes federativos para a concessão da recuperação judicial.

Em se tratando de empresas classificadas como microempresas ou de pequeno porte, o prazo para pagamento dos parcelamentos das dívidas tributárias deve ser 20% superior ao prazo concedido as empresas normais.   

Em suma, embora as execuções fiscais não sejam suspensas com o deferimento do processamento da recuperação judicial e exerçam pressão incessante sobre a Recuperanda, a legislação oferece mecanismos que possibilitam a estas empresas negociar seus débitos fiscais de forma mais favorável. Essas medidas buscam equilibrar o interesse público na arrecadação tributária com a preservação da atividade econômica e dos empregos, objetivos fundamentais da Lei de Recuperação de Empresas e Falências.

Doutrina, enunciados, jurisprudência e artigos sobre o tema:

Enunciado 53 - I Jornada de Prevenção e Soluções Extrajudiciais de Litígios

Estimula-se a transação como alternativa válida do ponto de vista jurídico para tornar efetiva a justiça tributária, no âmbito administrativo e judicial, aprimorando a sistemática de prevenção e solução consensual dos conflitos tributários entre Administração Pública e administrados, ampliando, assim, a recuperação de receitas com maior brevidade e eficiência.

Enunciado 55 - I Jornada de Direito Comercial

O parcelamento do crédito tributário na recuperação judicial é um direito do contribuinte, e não uma faculdade da Fazenda Pública, e, enquanto não for editada lei específica, não é cabível a aplicação do disposto no art. 57 da Lei n. 11.101/2005 e no art.191-A do CTN.

Legislação aplicável ao tema:

Lei 11.101/2005

Art. 6º A decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial implica:

I - suspensão do curso da prescrição das obrigações do devedor sujeitas ao regime desta Lei; 

II - suspensão das execuções ajuizadas contra o devedor, inclusive daquelas dos credores particulares do sócio solidário, relativas a créditos ou obrigações sujeitos à recuperação judicial ou à falência; 

III - proibição de qualquer forma de retenção, arresto, penhora, sequestro, busca e apreensão e constrição judicial ou extrajudicial sobre os bens do devedor, oriunda de demandas judiciais ou extrajudiciais cujos créditos ou obrigações sujeitem-se à recuperação judicial ou à falência. 

§ 7º-B. O disposto nos incisos I, II e III do caput deste artigo não se aplica às execuções fiscais, admitida, todavia, a competência do juízo da recuperação judicial para determinar a substituição dos atos de constrição que recaiam sobre bens de capital essenciais à manutenção da atividade empresarial até o encerramento da recuperação judicial, a qual será implementada mediante a cooperação jurisdicional, na forma do art. 69 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), observado o disposto no art. 805 do referido Código. 

§ 11. O disposto no § 7º-B deste artigo aplica-se, no que couber, às execuções fiscais e às execuções de ofício que se enquadrem respectivamente nos incisos VII e VIII do caput do art. 114 da Constituição Federal, vedados a expedição de certidão de crédito e o arquivamento das execuções para efeito de habilitação na recuperação judicial ou na falência.

Art. 51. A petição inicial de recuperação judicial será instruída com:

X - o relatório detalhado do passivo fiscal;

Art. 57. Após a juntada aos autos do plano aprovado pela assembléia-geral de credores ou decorrido o prazo previsto no art. 55 desta Lei sem objeção de credores, o devedor apresentará certidões negativas de débitos tributários nos termos dos arts. 151, 205, 206 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 - Código Tributário Nacional.

Art. 68. As Fazendas Públicas e o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS poderão deferir, nos termos da legislação específica, parcelamento de seus créditos, em sede de recuperação judicial, de acordo com os parâmetros estabelecidos na Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 - Código Tributário Nacional.

Parágrafo único. As microempresas e empresas de pequeno porte farão jus a prazos 20% (vinte por cento) superiores àqueles regularmente concedidos às demais empresas.

Código Tributário Nacional - Lei 5.172/66

Art. 155-A. O parcelamento será concedido na forma e condição estabelecidas em lei específica.

§ 3o Lei específica disporá sobre as condições de parcelamento dos créditos tributários do devedor em recuperação judicial.

§ 4o A inexistência da lei específica a que se refere o § 3o deste artigo importa na aplicação das leis gerais de parcelamento do ente da Federação ao devedor em recuperação judicial, não podendo, neste caso, ser o prazo de parcelamento inferior ao concedido pela lei federal específica.

Art. 187. A cobrança judicial do crédito tributário não é sujeita a concurso de credores ou habilitação em falência, recuperação judicial, concordata, inventário ou arrolamento. 

Parágrafo único. O concurso de preferência somente se verifica entre pessoas jurídicas de direito público, na seguinte ordem

I - União;      

II - Estados, Distrito Federal e Territórios, conjuntamente e pró rata;       

III - Municípios, conjuntamente e pró rata.

Art. 191-A. A concessão de recuperação judicial depende da apresentação da prova de quitação de todos os tributos, observado o disposto nos arts. 151, 205 e 206 desta Lei.

Lei de Execuções Fiscais - Lei 6.830/80

Art. 29 - A cobrança judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública não é sujeita a concurso de credores ou habilitação em falência, concordata, liquidação, inventário ou arrolamento.

Parágrafo Único - O concurso de preferência somente se verifica entre pessoas jurídicas de direito público, na seguinte ordem:

I - União e suas autarquias;

II - Estados, Distrito Federal e Territórios e suas autarquias, conjuntamente e pro rata;

III - Municípios e suas autarquias, conjuntamente e pro rata.   

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